Deborah Vier Fischer(*)
É sábado de manhã. Chuvisca lá fora. Dentro de mim, a emoção de rever um dos filmes mais sensíveis a que já assisti e que embalou a infância dos meus dois filhos, em especial, da minha filha mais nova, hoje com 24 anos. E é de uma conversa com ela antes e depois da minha ida ao cinema que nasce este texto.
Volto ao início. É sábado de manhã. Estou pronta para sair de casa para assistir ao filme “Meu amigo Totoro”, do cineasta japonês Hayao Miyazaki, na cinemateca Capitólio, dentro da programação do Sábado Cultural da Projeto. Antes de sair, comento com minha filha: – Rafa, estou indo ver o filme do Totoro. Lembra dele? E ela responde: – Jura? Bah! Como gostava dele!
Passei a sessão de cinema inteira imaginando como seria lindo ver a minha filha se (re)encantando com aquelas cenas que marcaram uma etapa tão importante dos seus 3 ou 4 anos. Bacana pensar que ela ainda lembrava do filme. Por que não insisti para ela vir comigo? Não tinha ideia do tanto que aquelas imagens e gestos mínimos, delicados, quase imperceptíveis, seguiam habitando a sua memória e as mais singelas recordações.
Fui tomada de forte emoção ao lembrar do tempo, nos anos 90, em que me sentava à frente da televisão, ligava o vídeo cassete, inseria a fita VHS e assistia, com as crianças, às aventuras das irmãs Satsuki e Mei, envoltas na fantasia de conviver com os Totoros, pequenos e grandes, incríveis e amáveis criaturas. Mas é muito interessante pensar que, passados tantos anos, o que mais me pegou ao assistir novamente ao filme, foi a relação do pai com as crianças, o modo como ele permitia e alimentava a imaginação das filhas, o quanto fazia dos seus medos, receios e inseguranças matéria de fantasia para poderem resolvê-las e enfrentá-las com alegria, com risadas largas, com amizade e, especialmente, com muito amor.
Ao retornar para casa, almoçando com minha filha e ainda completamente (re)encantada com o filme, perguntei a ela: – Rafa, o que tu lembras do filme do Totoro? Alguma cena em especial? E ela respondeu: – Tem duas cenas que não esqueço. A do Totoro na parada de ônibus com a sombrinha da menina e a hora em que a Mei vê um Totoro pela primeira vez e ele corre dela, escondendo-se debaixo da casa. Daí ela se abaixa para espiá-lo por uma fresta. Não esqueço disso! Logo depois, saem vários Totoros, escondidos dela, com suas trouxas (pertences), pelo outro lado da casa.
Diante disso, pensei: que filme é este, que faz com que, mesmo após vinte anos, detalhes como esses não passem despercebidos, não sejam esquecidos e sigam povoando as memórias de quem os viu? Coisas do Miyazaki, poderiam dizer alguns. Penso que sim! Mas penso também que é coisa de quem tem a sensibilidade de perceber o que há de mais lindo e potente nessa produção: a manutenção da imaginação infantil, incentivada pelos adultos que acreditam nela e que permitem que a infância seja, de fato, experimentada, vivida, aproveitada. Há um respeito por esse ser chamado criança, e uma aposta na sua capacidade de inventar, enfrentar desafios e superar as adversidades da vida, com Totoros, com música, com poesia, com afeto e, mais uma vez, com muito amor.
Para quem não assistiu, fica a “dica”: reúna a família e se jogue intensamente nas aventuras do “Meu amigo Totoro”, um mergulho na cultura japonesa, nas tradições e costumes de uma gente que, certamente, tem muito a nos mostrar, ensinar e fazer pensar. Aliás, o Japão tem estado fortemente representado e referido na Escola Projeto, desde o ano passado, com o estudo da obra do artista visual Mauro Fuke e, neste ano, com o projeto sobre a obra de Lúcia Hiratsuka, o contato das turmas de 4º ano, através de cartas, com duas escolas do Japão, nas cidades de Osaka e Hamamatsu, e também a recente visita do Grupo 4, da educação infantil, à exposição Cabelos Negros, de Lia Menna Barreto, contendo uma coleção de desenhos de mulheres representadas com seus longos cabelos, fruto de uma pesquisa da artista acerca de gravuras japonesas de 1920. Hayao Miyazaki não chegou ao Sábado Cultural, neste momento, por acaso.
(*) Coordenadora da escola.