Claudia Spieker Azevedo
As diversas configurações familiares, que hoje observamos em nossa sociedade, são fruto de mudanças importantes que ocorreram nas últimas décadas do século XX. O aumento da expectativa de vida, o ingresso da mulher no mercado de trabalho e o incremento do número de divórcios são evidências importantes que repercutiram de forma significativa na constituição desses novos arranjos. Mas qual o seu impacto na escola?
Arrisco-me a dizer que existe certo saudosismo do modelo hegemônico de família, constituído por um casal com filhos que ocupavam determinados lugares por toda a vida, como se essa estrutura por si só garantisse a estabilidade emocional necessária aos sujeitos ali inseridos. Mas será que as famílias recompostas a partir de separações anteriores, as monoparentais ou as formadas por casais homoafetivos são – devido à sua não constituição dentro desse “padrão” -, a causa das dificuldades observadas nas crianças e jovens de hoje? Será que o que atualmente constatamos é tão distinto das preocupações de 40 ou 50 anos atrás, quando esse modelo estava bem mais garantido?
Parafraseando Lulu Santos – “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa tudo sempre passará…” –, constato que as novas configurações familiares são uma realidade. Além disso, os conflitos entre pais e filhos/filhas sempre existiram, eles são inerentes ao processo de desenvolvimento. Logo, para avançarmos no entendimento sobre as repercussões dessas novas configurações na constituição subjetiva das crianças, proponho ampliarmos o nosso foco de atenção e refletirmos sobre qual o lugar que nós, adultos, estamos ocupando na vida dessas crianças e jovens.
O processo educativo é uma trajetória longa e nele família e escola possuem papéis complementares. Ele requer uma parceria entre essas duas instituições, melhor dizendo, demanda uma aliança, na qual a confiança e o respeito são os ingredientes essenciais. “Educar implica ocupar o lugar de adulto.” (CERESER e OUTEIRAL, 2011, p. 70).
Cabe-nos, então, indagar onde estão os adultos na nossa sociedade? Observamos um apagamento da fronteira entre o final da adolescência, que cada vez mais tem avançado no tempo, e o início da vida adulta. Há uma supervalorização do estilo de vida dos adolescentes e uma idealização do padrão de beleza dessa etapa, que reforça a expansão desse período. Além disso, os jovens adultos, ao constituírem suas próprias famílias, buscam uma relação mais próxima com seus filhos daquela que tiveram com seus pais na infância, o que dificulta que assumam a diferença entre as gerações e, como consequência, há uma banalização da figura de autoridade.
Para completar esse cenário, o ritmo de vida contemporâneo, atrelado a uma sobrecarga de trabalho, acaba gerando uma culpa nas mães e pais pela falta de tempo, tornando-os, muitas vezes, reféns dos desejos infantis. Por sua vez, as crianças, desde muito cedo, ficam à mercê de suas próprias vontades e acabam sendo atendidas de modo exagerado, não encontrando a necessária continência para os seus impulsos.
Isso nos ajuda a entender que a dificuldade dos adultos de bancarem a sua autoridade frente às demandas cotidianas do universo infantil, independente da configuração familiar na qual estão inseridos, provoca desamparo, ou seja, causa sofrimento. Para que as crianças possam nascer psiquicamente elas necessitam de adultos responsáveis e comprometidos com a sua função de educar. Enquanto em casa os pais e as mães são os formadores de sua base emocional, na escola os professores e as professoras vão possibilitar que ampliem as suas vivências. Nessa transição do mundo privado da família para o espaço público da escola há um alargamento das fronteiras. E a equipe docente, como representante da instituição escolar, precisa também assumir as suas responsabilidades no que se refere ao cuidado e proteção dos alunos e alunas, para que estes possam sentir-se seguros e tenham garantido um espaço criativo, que incentive o pensar.
Partindo dessas considerações, qual é o nosso desafio? Sugiro, para começar, repensarmos a forma como temos encaminhado questões que a contemporaneidade nos vem colocando no que se refere ao processo educativo. Talvez muito mais importante do que encontrar respostas seja refletirmos sobre as perguntas que nós, adultos, estamos nos fazendo. Perguntas estas que precisam ser tomadas como o fio condutor de nossas discussões e como propulsoras de um entendimento mais amplo das questões da infância e da adolescência. Faz-se necessário buscarmos uma compreensão mais efetiva do entrelaçamento de múltiplos fatores que impactam a constituição subjetiva dos sujeitos.