Caliana Pauline Zellman
O ano começa com um gostinho especial na Escola Projeto. Traz sempre surpresas e um mergulho na obra de um(a) autor(a) convidado(a). Este ano não foi diferente. Ou melhor, foi diferente. Tivemos o privilégio de conhecer e desfrutar da boa literatura infantil e juvenil da escritora Ana Maria Machado.
Logo na divulgação da notícia um friozinho na barriga… Talvez por saber que ela faz parte da Academia Brasileira de Letras ou pelo fato de, desde pequena, ouvir falar nela e já ter lido alguns de seus livros, admirando-a, de poder conhecê-la pessoalmente ou de ter o privilégio de ser eu a professora que mostraria aos meus alunos de 4º ano as obras literárias de uma imortal. Pensando bem, motivos para o frio na barriga é que não faltaram!
Desde o começo eu já tinha certeza de que esse mergulho nas obras da Ana Maria Machado deixaria marcas bem significativas e, à medida que o tempo foi passando, a certeza aumentou. O contato com essas obras foi se intensificando e foi muito significativo acompanhar a interação dos alunos com cada livro. A identificação com personagens e com situações do universo infantil, o envolvimento com o contexto da história, a crítica e as relações com sua própria realidade foram se tornando cada vez mais notáveis.
Mas, mais do que isso, houve o desfrute, a fruição, que este tipo de trabalho proporciona. E, no caso dos livros de Ana, mais ainda, pelos textos bem escritos e ricos em detalhes, emoções e memórias que encantaram os leitores e os fizeram se colocar no lugar dos personagens, vivendo cada fato. Houve ampliação do universo literário com grande significado, o que trouxe inúmeros benefícios ao leitor.
Gosto de uma parte do livro de Luís Augusto Fischer, em que ele fala sobre a importância da formação de leitores. Cita um conjunto de palpites e num deles avisa:
“Ler dá vida interior, que tem ritmo diverso em cada indivíduo. Eis aqui uma das principais virtudes de um livro, especialmente da grande tradição da literatura: quem lê manda no ritmo de sua exploração do texto, porque pode ir e voltar, pode espiar o fim antes de chegar lá, pode retornar para esclarecer a leitura ou para reviver uma passagem intensa, pode retardar a chegada do desfecho. Essa virtude que o livro tem, de permitir que cada indivíduo faça seu ritmo (ao contrário do cinema e da televisão, que obriga todos ao mesmo andamento), alia-se a outra: a virtude de adensar a vida mental, psicológica, filosófica do leitor (ao contrário de grande parte dos videogames, concebidos para evoluir num andamento frenético que impede a reflexão e mesmo o prazer da descoberta).” (FISCHER, Luís Augusto. Arquipélago Editorial, 2011, p. 53)
Pensar em formar leitores é pensar na dimensão da leitura. Por isso um projeto tão rico em nossa escola. Queremos garantir um espaço na vida do aluno, no qual ele desfrute de histórias e estenda sua imaginação desde pequeno, conheça literatura e seus autores e aproxime-se o mais possível de bons livros, tornando-os parte de sua vida.
Durante o trabalho, muitos foram os textos que proporcionaram um encontro especial com a autora. Mas um, em especial, ganhou o coração de todos. O livro que se tornou o “xodó” da maioria dos alunos foi “Bisa Bia, Bisa Bel”, que conta a história de Isabel e envolve personagens de sua família, através de uma conversa entre gerações. É narrada em 1ª pessoa, pela própria Isabel, e mostra ao leitor diferentes maneiras de pensar e de viver ao longo do tempo. Um livro superinteressante para os alunos e também para os professores.
Assim, fomos além da leitura do livro, preparando uma sala temática inspirada nele para a Feira do Livro da escola, que é uma das culminâncias do projeto. Nela organizamos espaços onde são expostos diferentes trabalhos de todas as turmas relacionados aos livros lidos e que recebem a ilustre presença do(a) autor(a).
Nossa sala tocou profundamente as pessoas que a visitaram. Os alunos e as famílias mostraram-se engajados e trouxeram para a escola objetos antigos (alguns deles verdadeiras relíquias de família) que contribuíram para os visitantes pararem e relembrarem de cenas e fatos de seu passado, revisitando suas memórias. Foi lindo e gratificante acompanhar o encantamento das famílias e a reação dos alunos.
Como professora, tem sido interessantíssimo mediar o contato dos alunos com o livro (e, nesse caso, também com suas famílias). Por saber que a criança é um leitor em desenvolvimento, sentir que contribuo para sua formação leitora é algo indescritível. O livro tem o poder de marcar o aluno, de trazer sentidos e, também, de deixar uma sensação de incompletude ao perceber-se inquieto, tocado pela história.
Assim, é indiscutível a riqueza da literatura infantil. Ela é vital para a alfabetização literária das crianças e para sua formação como leitoras. Garante a aquisição de valores culturais e promove um encontro da criança com a língua em suas formas mais complexas. Por saber dessa importância, sinto que, como escola, estamos no caminho certo. Há um trabalho pensado para um aluno leitor que vai além dos livros: é um trabalho pensado para um leitor de e da vida.