Michele Hoeveler da Silva
“… é essencial que haja reflexão sobre os valores, considerando que a moral é um objeto do conhecimento que se aprende racionalmente. Contudo, raramente a educação apresenta ao aluno a moral como objeto de estudo e reflexão.” (*)
A partir da constatação de Tognetta e Vinha (2009) no livro Crise de Valores ou Valores em Crise?, me proponho a compartilhar algumas reflexões acerca daqueles conteúdos escolares que vão além das aprendizagens sobre ortografia, o funcionamento do corpo humano ou ainda a memorização das tabuadas. São aqueles conteúdos que permeiam a rotina escolar, em diferentes situações – formais ou não – e que podem ser marcantes na vida escolar de um aluno, de um professor, de uma escola. Podem aparecer em uma fala, em um gesto, em uma pergunta, em um olhar ou mesmo na falta dele. É no espaço escolar e nas relações que pulsam dentro dele que se encontra a riqueza.
“A escola é o espaço da diversidade. Nesse contexto atende crianças de diferentes meios socioculturais, familiares, com experiências, aprendizagens, conceitos, leituras e representações distintos.” (*)
Se considerarmos as características da nossa sociedade atual, em que a gestão do tempo e das relações se dá de formas tão diferentes do que em um passado relativamente recente, percebemos o quanto é importante a escola atuar conscientemente na qualificação da convivência e das relações. Porque, mesmo que essas questões não estejam contempladas no planejamento dos professores e no trabalho da escola, é inevitável que tenhamos de lidar com elas, frequentemente, na resolução de um conflito, na forma de um se dirigir ao outro, nas divisões de tarefas, no compartilhamento de materiais, numa reunião com as famílias. A escola não é um campo neutro, é repleta de pessoas com valores, hábitos e pensamentos próprios, herdados de seus pais, avós, resultados de suas vivências, de sua história.
Assim, o melhor é conseguirmos garantir aos alunos momentos para compartilhar experiências pessoais com seus pares, mediados e coordenados por um adulto, permitindo que se coloquem no lugar do outro, que experimentem outros papéis, que reflitam, argumentem e defendam ou mudem suas ideias. Melhor ainda se esse tempo for frequente, sistemático e planejado.
Muitos dos alunos de hoje, especialmente os jovens, conversam mais através de seus jogos eletrônicos e redes sociais, fora da escola, do que pessoalmente. E essa é outra característica da vida atual. Penso que cabe à cada escola aproveitar o que há de melhor nessas mudanças e nos recursos disponíveis, garantindo, entretanto, que não se percam algumas experiências próprias do ambiente escolar, que é de diversidade e de convivência. O tempo pedagógico também deve garantir o conteúdo humano e as relações. Ou seja, entende-se a educação como um conjunto de fatores, que não estão isolados e, sim, fazem parte de uma bela trama.
Na escola, esses alunos devem ser convocados a discutir sobre aqueles assuntos que os mobilizam, que os interessam e, porque não, que os atingem. Pode ser a qualidade do lanche ou a organização e atualização do acervo da biblioteca. Pode ser a divisão de tempos para uso da quadra no momento do recreio ou ideias sobre determinado trabalho ou tema de estudo. É através de discussões sobre temas comuns que se torna possível resgatar valores universais como respeito, responsabilidade, liberdade, honestidade e justiça. Pode ser um bom momento para pensar sobre quais os valores mais importantes para a escola e de que forma eles aparecem no currículo, no trabalho, na rotina.
“(..) faz-se necessário oferecer nas instituições educativas oportunidades frequentes para a realização de propostas de atividades sistematizadas que trabalhem os procedimentos da educação moral. Procedimentos estes que favoreçam a apropriação racional das normas e dos valores, o autoconhecimento e o conhecimento do outro, a identificação e a expressão dos sentimentos, a aprendizagem de formas mais justas e mais eficazes de resolver conflitos e consequentemente o desenvolvimento da autonomia”. (*)
É reconfortante pensar que aqueles alunos que aprendem na escola a discutir e defender suas ideias e opiniões, visando o bem-estar coletivo, cientes de valores importantes para a vida em sociedade, provavelmente serão os mesmos que o farão de forma efetiva e inteligente no futuro, nas reuniões de trabalho e de condomínio, durante um desentendimento no trânsito, na fila do supermercado. Instrumentalizá-los com estratégias para resolver problemas e conflitos também é ensiná-los.
Em alguma medida, pode parecer preocupante oferecer esse “poder” a crianças e adolescentes. Contudo, essa dinâmica permite que se desenvolva nos alunos o sentimento de pertencimento, de valorização. Na medida em que se sentem parte fundamental da escola, passam a cuidá-la e investem na sua manutenção.
Essa aprendizagem passa também pelos encaminhamentos na resolução de um conflito entre os alunos. Ouvi-los, ajudá-los a expressar como se sentem e exercitar sua capacidade de empatia, convocando-os a se colocarem no lugar do outro, são formas de agir que geram crescimento para todos os envolvidos. Para o aluno que foi vítima, que se sente acolhido e contemplado, e se sentirá mais à vontade ao trazer suas inquietações em outros momentos. Para aquele que agrediu, que pode dimensionar as consequências de suas ações e repensar formas de agir. Para os demais colegas, que conhecem novas formas de pensar, viver e que, de certa forma, passam a entender as diferenças de forma mais próxima. E até para o professor, que aprenderá ainda mais sobre a diversidade, planejando outras atividades que tenham este fim.
“(…) apesar de insistirmos na necessidade de se oferecer sistematicamente oportunidades para a aquisição da moral como um objeto do conhecimento, por meio da reflexão e dos procedimentos da educação moral, não podemos esquecer da importância de se construir uma atmosfera sociomoral cooperativa no contexto educativo. Reiteramos que para que possam ansiar por valores morais, nossos alunos precisam viver situações de respeito, de tolerância, de honestidade, de diálogo.” (*)
(*) LA TAILLE, Y. de; MENIN, Maria Suzana De Stefano. Crise de valores ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed, 2009.