Rafael Bricoli
Nestes tempos de redes sociais, a felicidade parece ser algo que as pessoas fazem questão de tornar público. Fotos de momentos felizes, vídeos de animais fofinhos, registros de momentos íntimos e compartilhamentos de situações marcantes já fazem parte do nosso dia a dia. Em contrapartida, é fácil perceber uma banalização do ódio. O aparente anonimato das redes faz aflorar a pior parte das pessoas, que, sem preocupação alguma, na maioria das vezes ofendem, insultam, agridem, isso quando não cometem crimes virtuais. Até mesmo em notícias trágicas (que infelizmente têm sido cada vez mais divulgadas) os comentários grosseiros e a necessidade de culpar alguém estão sempre presentes. A espetacularização da felicidade e a naturalização da ofensa nas redes sociais estão intimamente ligadas ao tipo de sociedade que estamos vivenciando: uma sociedade de adultos que não sabem lidar bem com seus sentimentos.
A proposta para o trabalho de teatro com as turmas do 4º ano da Escola Projeto era, neste ano, explorar justamente a expressão de sentimentos através do corpo. Numa das primeiras aulas, propus uma ficha que continha o nome de alguns sentimentos e pedi que explicassem, com suas próprias palavras, o que significavam para cada uma/um. E, de maneira muito singela e potente, as respostas foram bastante tocantes para mim, pois descrevem, de uma forma ingênua e direta, aquilo que sentimos (alguns exemplos estão no final do texto). Além de me fazerem pensar por dias a respeito do mundo que estamos propondo para essas crianças.
À medida que desenvolvemos as atividades propostas durante o trimestre, de criar cenas representando os sentimentos apenas através da expressão corporal, foi interessante perceber que elas se abriam mais (e de maneira espontânea) em relação aos seus sentimentos. Com isso percebi o quão importante é dar atenção para o que elas estavam dizendo. E, finalmente, na mostra de teatro que aconteceu dia 10 de outubro, de uma maneira alegre e festiva, elas apresentaram seus sentimentos. Entre uma cena e outra, declamaram suas próprias definições de cada sentimento. A apresentação terminava com uma grande festa, com adultos e crianças dançando juntos, celebrando simbolicamente, a fala das crianças e a escuta dos pais.
Fomos criados numa sociedade em que demostrar sentimentos é sinal de fraqueza, e ainda ficamos sem jeito nos momentos em que eles afloram. Acredito que essa falta de habilidade em lidar com os próprios sentimentos não está desconectada da necessidade, apontada antes, de escancarar a “felicidade”, nem da incontrolável vontade de “vomitar” ofensas. Então, me pergunto: como nós, adultos/adultas, podemos proporcionar uma mudança efetiva na nossa sociedade? Não sei muito bem como responder, mas uma coisa é certa: precisamos ouvir as crianças. E, principalmente, ouvir o que elas andam sentindo nesses tempos turbulentos.
Dar voz para que elas expressem seus sentimentos é, progressivamente, estimulá-las a lidarem desde cedo com o que sentem, da maneira mais saudável possível, sem julgamento de valor e principalmente com respeito aos outros, o que implica no exercício da empatia. Um trabalho desafiante e bastante delicado, sem dúvida. Mas que pode começar ao nos encorajarmos a perguntar a nós mesmos: quantas vezes exercitei a empatia hoje? Quantas vezes consegui me colocar no lugar da minha filha ou do meu filho hoje e entender o que ela/ele estava sentindo?
Por isso, terminarei esse texto com as citações de alguns sentimentos descritos pelas alunas e alunos do 4º ano:
Amor – Se entregar para a vida.
Empatia – Ganhar lindos e belos conselhos e dar lindos e belos conselhos.
Tristeza – Quando alguém fica brabo comigo e eu não sei o porquê.
Gula – Quando tem alguma comida e eu como mais do que preciso.
Empatia – Pensar antes de fazer algo.
Coragem – Se sacrificar pelo outro ou fazer algo perigoso mas necessário.
Amor – Quando meu irmão nasceu. Senti alguém novo na minha vida.
Inveja – É se sentir menor e com menos valor.
Felicidade – É ter meu cachorro.
Raiva – Quando fazem algo muito ruim e você não pensa duas vezes e faz algo que, na maioria das vezes, você não gostaria de ter feito.
Amor – Ficar bem pertinho de quem você gosta dizendo coisas legais.
Satisfação – Quando você termina algo e fica feliz.
Amor – Quando você ganha um filho e enche ele de amor para ele ter uma vida feliz.
Saudade – É quando você olha para um cachorro da espécie salsicha e se lembra do cachorro “César” que se perdeu.
Medo – É ser autoprotegido por você mesmo.
Amizade – É ser parceiro, brigar e concordar.
Tristeza – Algo que expressamos em lágrimas e faz o coração doer.
Amor – É brincar com os animais de pegar bolinha.
Rafa, me emocionou muito teu texto!
Uma das coisas que considero mais ricas em nosso trabalho é justamente poder ouvir as crianças e como isso gera mudanças, em nós e neles! Obrigada por escolher com tanta delicadeza as palavras ao dizer aquilo que deveria ser óbvio! Obrigada tb por compartilhar conosco o olhar dos teus alunos!
Rafa, que lindo o texto e a tua sensibilidade com os alunos.
Obrigada por compartilhar!
Muito bom ter na equipe professores que pensam como tu, Rafael, e que se dão conta do potencial das crianças e do seu próprio trabalho em termos do que ele pode proporcionar-lhes. Ter um espaço na escola para o trabalho de teatro é um diferencial importante. Tê-lo, então, com um professor disposto a ouvir e interessado no que cada um pensa e sente, isso, com certeza, é um privilégio! Obrigada pela parceria!
Fico feliz em conseguir dividir com vocês um pouco das coisas que as crianças me fazem pensar. Obrigado pela parceria.
É uma satisfação mútua. Aprendo muito todos os dias, além de ser um privilégio pra mim também. Numa espécie de simbiose, onde todos saem ganhando. Obrigado pela parceria.