Celso Gutfreind
“E sei apenas do meu próprio mal, que não é bem o mal de toda gente…”
Mario Quintana
Estive na escola Tristão Sucupira Vianna. Fui adotado no Programa Adote um Escritor, da Câmara Rio-Grandense do Livro. A história é assim: a escola escolhe um escritor, trabalha seus livros com os alunos, depois promovem um encontro. Bela história. Só não é o tema do artigo.
A escola Tristão Sucupira Vianna é especial. Difícil dizer o que isto significa. Talvez uma alternativa para fugir da ditadura dos nomes. Ou da violência dos nomes. Porque na nossa Sociedade algumas crianças recebem alcunhas esquisitas. São diagnósticos tais como paralisia cerebral, síndrome de Down, retardo mental. E nomes costumam impregnar-se.
Isto não é universal. Trabalhei como etnopsiquiatra numa escola ao norte de Paris. Víamos filhos de imigrantes africanos. Para eles, não havia diagnósticos e sim outros sentidos, mais libertadores. Só não é o tema do artigo.
Por aqui, os nomes podem ter a violência de um golpe. No caso, a de não tolerar uma diferença. Ou o que não segue à norma, embora a norma não exista, já que nada é igual, e toda maioria é diversa.
A escola Tristão Sucupira Vianna é daquelas que não aceita a violência dos nomes. Ela acolhe os alunos a quem chama de especiais como forma de reparar a injustiça de uma palavra. Só não é o tema do artigo.
Falávamos de literatura como numa escola comum. As crianças e os adolescentes haviam lido, sentido, pensado, agora faziam perguntas. A pergunta era sobre o que eu preferia e já não lembro bem o que. Talvez entre prosa e poesia, literatura e cinema, futebol e vôlei.
Eu quis responder que não tinha preferência e, para que me compreendessem melhor, utilizei a imagem:
– Vocês, por exemplo, se precisassem escolher entre chocolate e sorvete…
A minha ideia, inspirada em Cecília Meireles, era que não escolhessem, ficassem com os dois, não precisassem preferir. Mal terminei a frase, o menino falou sem hesitar:
– Sorvete, claro que sorvete!
Livre do nome, liberto da alcunha, solto do diagnóstico, escancarou uma de minhas maiores deficiências: a de escolher, dificuldade que não era bem a dele. Não tive dúvidas: aquele menino era mesmo especial. Ou seja, melhor do que eu.
Mas dizer isto não seria justo com o nosso tema. Logo, desdigo.
(*) Publicado em Crônica dos Afetos, a psicanálise do cotidiano. POA, Ed. Artmed, 2016.