Celso Gutfreind
“Provavelmente acontece o seguinte: antes de penetrarmos, pelo arrebatamento do amor, a existência e o ritmo frequentemente hostil e não mais vulnerável de um ser estranho, nós já teremos vivenciado desde muito cedo a experiência com ritmos primordiais…” (Walter Benjamin)
Poucos leem poesia. Tem a ver com o começo da vida. Pelo menos em parte: a poesia inaugura a gente, mas nos condena a nunca mais encontrar uma explicação completa.
É poético o encontro entre a mãe e o bebê. Nada do que pertence a ele falta ao poema. São fragmentos de sons em busca de sentido; sobretudo, imagens. E ritmos. Muita expressão sem significados palpáveis. Tudo se sente, e nada se explica. Toca-se. A vida ao alcance do olhar e da mão. Ou não, mas aí estamos condenados ao vazio. Só a poesia preenche. Ela surge como o único mediador disponível – a música faz parte dela – entre o bebê e a mãe. A poesia nos constrói com seu banho de melodias no meio do caos seco. Talvez tenhamos vindo do pó. Do poema, certamente.
Sem poesia, tem depressão e não tem alegria. Ou tristeza. Ou prazer. Fica um buraco na existência. Ocorre a tragédia maior: não sentir. É a morte. As primeiras palavras nascem em berço poético. Em seguida, oferecem abrigo para quem perdeu uma casa e achou outra. Também dão a oportunidade de se deslocar a partir de suas metáforas. Agora se pode partir e ver o mundo. Tem mundo por dentro e por fora. As palavras fazem a ponte. As palavras deixam ir e voltar. Elas são quase completas. Toda criança inventa poesia. Brinca, desenha, cria música sem se preocupar com a utilidade da vida.
Mas nada disso é tranquilo como esta prosa. São horas muito frágeis, que ameaçam explodir; é cansativo ser mãe entre tanta cantiga que alimenta, mas não explica. Entre choros e risos em busca de nomes difíceis de encontrar.
Também cansa ser bebê, e a criança não quer mais palavras novas. Ela deseja descansar de tanta poesia. Então, mergulha no senso comum da linguagem e começa a falar o que falam. Não desenha mais, não canta mais, não inventa. Ela agora vai escolher a prosa e não mais o poema do começo, que a construiu, mas a cansou.
Novidade e criação só de vez em quando. A história simples predominará. O silêncio, a tela quieta, a folha em branco. A adolescência até pode reencontrar o tesouro da língua, mas, em seguida, o sujeito retoma narrativas mais banais. A bagunça e a criatividade ficaram para trás.
Depois, um adulto tentará para sempre recuperar alguma poesia, nem que em instantes de amor ou de arte. E, se persistirem as prosas, o poeta deverá ser consultado. Ou o bebê.
(*) Do livro A Dança das palavras – poesia narrativa para Pais e Professores, Ed. Artes e Ofícios, 2012, págs. 30 e 31.