Ela chega em casa dizendo que tem uma surpresa dentro da mochila. Pede que eu feche os olhos. Diz que já posso abrir. A surpresa é um livro. Um livro escrito em espanhol. Emocionada, ela conta que encontrou uma estante na biblioteca que só tem livros escritos em outras línguas: “tem até livro escrito em chinês”! Ela diz que agora vai retirar muitos livros dessa estante tão diferente e que vai aprender a falar essas línguas estranhas. A surpresa dela me comove porque revela que ela já entendeu algo muito importante: a biblioteca é o lugar mais misterioso, surpreendente e mágico de uma escola.
Infelizmente, nem todas as instituições de ensino tem uma biblioteca que vive de portas
abertas e que é acessível. Em muitas delas, a biblioteca fica no lugar mais sombrio, escuro e distante. Acho que essas escolas interpretam de forma literal a sentença que escrevi sobre a biblioteca ser um lugar misterioso. Nesses casos, é tão misterioso e tão fora do caminho que muitos alunos saem do colégio sem sequer terem passado na frente desse espaço mágico. Também há escolas onde a biblioteca é só um depósito para guardar livros, que ficam abandonados em estantes empoeiradas. Em outras tantas, a biblioteca é vista como algo tão torturante que é o lugar oficial do castigo. Aluno que não se comporta, vai para lá pensar no que fez. Nunca vou entender a lógica de um castigo que une livros e pensamento. Trabalhando com mediação de leitura, vi e vivi essa realidade pouco animadora de perto e sei que a (in)consequência disso é a perda de leitores, por isso queria para minha filha uma escola diferente. Foi assim que cheguei na Projeto.
Escolhi a Projeto como escola da Clara porque sabia do trabalho com ênfase na leitura literária que a escola desenvolvia, mas não conhecia seu espaço físico. O dia em que eu conheci sabem qual foi a primeira coisa que eu reparei? Foi que a biblioteca ficava no centro da casa. Para chegar ao refeitório, tinha que passar por dentro da biblioteca, ou seja: no meio do caminho do alimento, havia outro tipo de alimento disponível. Além disso, para chegar ao pátio tinha que passar ao lado da biblioteca. Que geografia bonita: o livro fazendo fronteira de um lado com brincadeira; do outro, com o alimento. Só isso já seria maravilhoso, mas tinha algo maior para ser lido na entrelinha do espaço físico da escola: a biblioteca era o seu coração. Então, fazia sentido que tudo pulsasse e vibrasse a partir dela. Não precisava de mapa para encontrá-la: em um passeio até a cozinha, a gente já caia lá dentro: era uma armadilha muito bem pensada – que não prendia ninguém, pelo contrário, libertava e fazia voar.
Ontem, aqui em casa, uma menina pousou trazendo na mochila uma surpresa em forma de livro. Uma vez que esse livro foi retirado de dentro do coração da escola, posso chamá-lo de amor. Onde o livro é sinônimo de amor, a leitura flui ligada ao afeto. Não conheço método mais eficiente para formar e transformar leitores.
(*) Cristine é mãe da Clara Zancani Fornasier, aluna da turma 32 da Projeto.
Ilustração: Henn Kim