Andréa Paim
Tem um tempinho para ler este texto?
Nos dias de hoje, muitos de nós, adultos, parecemos estar em uma constante corrida contra o tempo, desejando que o dia tenha mais do que 24 horas, que o sono não venha antes do esperado, que as atividades planejadas para aquele dia consigam ser realizadas. Nosso tempo muitas vezes parece pouco para tantas coisas que desejamos fazer. De outro lado vivemos em uma era digital que aproxima as distâncias, as conversas, os mundos. Nos mostra que muitas coisas acontecem simultaneamente e desejamos “dar conta” de tudo, num imediatismo que em determinados momentos nos coloca como reféns.
As crianças, mesmo inseridas nesse contexto de pressa, atuam em um tempo diferente.
Quando são bem pequenas iniciam a construção do conceito de tempo, que está extremamente ligado às relações de espaço e velocidade. Ele vai sendo elaborado através de um conjunto de coordenações que se formam na relação do sujeito com o meio físico e social. Piaget afirma (1975) que a criança “é um organismo que assimila as coisas para si, seleciona, digere-as segundo sua própria estrutura. Deste ângulo, mesmo aquilo que é influenciado pelo adulto pode ser original”. Ou seja, a criança vai construindo e desconstruindo verdades ao longo dessa percepção sobre o que é o tempo.
Costumamos ouvir frases como “Amanhã eu fui no parque e andi (sic) de balanço”, evidenciando a tentativa de lidar com conceitos sociais (ontem/hoje/amanhã) e a atenção à conjugação do verbo no passado. Também é comum observarmos relatos de situações em que a criança contou por dias seguidos: “Ontem fui ao zoológico”, significando o “ontem” antes de hoje, mesmo que muitos dias antes. Ao longo dessa construção as crianças também percebem que o tempo não volta e isso vai auxiliando nas reflexões para as tomadas de decisões.
Crianças e adultos compartilham o mesmo mundo, mas com percepções de tempo diferentes. Com a criança parece que o tempo é generoso, como se parasse para ela observar o deslocamento de uma formiga, catar pedrinhas e enfeitar o seu castelo de areia, para ouvir o canto do sabiá ou para observar a movimentação das nuvens. Quem tem criança por perto sabe o quanto é bom desacelerar e acompanhar essas descobertas, permitir encantar-se novamente.
“A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Quase tudo se adquire nesse tempo em que aprendemos o próprio sentimento de tempo. (…) A infância não é apenas um estágio para a maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós”. (Mia Couto)
Tenho o privilégio de trabalhar em um espaço que é rodeado pelo pátio da escola, e quando meu tempo teima em acelerar, simplesmente abro a janela da minha infância e me permito encantar pelo som do balanço, pelas brincadeiras combinadas ao pé do ouvido, pelas comidinhas preparadas com galhos e folhinhas, e vez que outra vou embalar-me também, provar as receitas e perceber o quanto podemos ser donos do nosso próprio tempo.
Couto, Mia (E se Obama fosse africano?, pág. 104. Companhia das Letras. 2011)
Piaget, Jean (A Representação do mundo na criança, pág. 27. 1975).
Bravo!
Obrigada Rubem! Sempre que vou escrever me inspiro muito nas dicas e nas vivências que tive durante a oficina realizada com a equipe, aqui na Projeto.
Sensibilidade, conhecimento e experiência: uma mistura imprescindível para quem é educador! Parabéns, Andréa! Conseguistes conquistar um espaço só teu, no teu tempo e ainda à tempo de permaneceres pura de olhares sobre o mundo que te cerca. Nunca deixes que a “catarata” da pressa te impeça de enxergar o que teu coração sente. E expresses isto! Com mensagens como esta, que nos faz transcender e ir ao pátio de tua escola brincar com tuas crianças. Parabéns!