Beth Baldi
Neste ano realizei, entre outros cursos, um na modalidade online sobre avaliação em produção textual no ensino fundamental, promovido pelo Centro de Estudos da Escola da Vila (*). Como sempre acontece com cursos oferecidos por essa instituição, com a qual temos aprendido muito ao longo desses quase 30 anos da nossa existência como escola, este também foi bastante produtivo. Permitiu que parássemos para refletir sobre um assunto sempre tão complexo, colocando-nos em contato com textos interessantes sobre o tema e com exemplos de diferentes pautas de avaliação, trazendo-nos textos de alunos para análise e nos provocando com questões como:
• Por que acreditar que avaliar é pôr uma nota para cada estudante e, em troca, não pensar que é conhecer a estratégia utilizada por uma aluna ou aluno na execução de uma determinada tarefa, compreender as causas de suas dificuldades e ajudá-los a tomar decisões sobre de que forma superá-las?
• Por que não pensar que a avaliação é útil para aprender quando favorece que os alunos aprendam a se autorregular autonomamente, e deixar de crer que somente serve para que os professores detectem erros e êxitos?
• Por que pensar que é sempre o professor quem detectará êxitos e erros dos que aprendem e proporá o que deverão fazer para melhorar e, em troca, por que não deixar que seja o próprio aluno ou aluna que reconheça seus acertos e suas dificuldades? Ou: por que não estimular seus colegas a lhe ajudar neste processo avaliativo?
Aproveito este momento de final de ano, em que os professores estão ou acabaram de estar super envolvidos com tarefas de avaliação, para compartilhar essas questões e algumas das reflexões que elas me proporcionaram, o que talvez possa trazer elementos para o leitor também produzir as suas e, quem sabe, a partir delas, poder construir com sua equipe formas cada vez mais qualificadas de avaliar – e ensinar! – ao longo do próximo ano.
Sim, porque “ensinar, aprender e avaliar são, na realidade, três processos inseparáveis.” (2) Tanto que podemos pensar que a avaliação ainda tende mais a se restringir ao “pôr uma nota para cada estudante”, devido a uma recente consolidação do processo ensino-aprendizagem na perspectiva construtivista. Ou seja, há ainda uma contradição entre o modo de ensinar e o modo de avaliar: o primeiro já mais alinhado a uma visão construtivista, especialmente na educação infantil e no fundamental 1, e o segundo ainda preso ao tradicional. Assim, as avaliações ainda têm sido, muitas vezes, mais dos estágios (o quanto as crianças ignoram, sem condições de comparação com o que sabem) e dos saberes linguísticos desligados das práticas sociais de leitura e escrita, e menos dos processos relativos a essas aprendizagens.
Essas avaliações generalizadas e tradicionais são, com certeza, bem mais simples, embora consumam horas de trabalho de correção pelos professores, em geral fora da sala e sozinhos. Mesmo quando seus resultados são uma média calculada a partir de diferentes produções dos alunos, as quais transformam-se em uma nota ou conceito, elas revelam muito pouco do processo e contribuem menos ainda com a aprendizagem e o ensino.
Por outro lado, conhecer estratégias que os alunos utilizam ao realizar tarefas, para poder compreender suas dificuldades e auxiliar em seus avanços, é tarefa bem mais complexa e dá infinitamente mais trabalho. Exige atenção e observação constantes do professor em relação ao que o aluno está fazendo e ao como ele o está realizando. É preciso trabalhar junto com o aluno, estar de olhos e de ouvidos atentos ao seu processo, perguntando e desafiando de diferentes formas e em medidas variadas, descobrindo o que ele pensa e categorizando suas respostas à luz de parâmetros e referenciais teóricos adotados. Também envolve propostas mais elaboradas, que coloquem os alunos a explicarem, uns aos outros, o que estão aprendendo, a fazerem perguntas, resumos e esquemas, buscando maneiras de formular e mostrar o que estão pensando.
Isso acontecendo ao longo de toda uma sequência de trabalho, nas suas diferentes etapas, com as idas e vindas necessárias, proporcionará ao professor um conhecimento aprofundado sobre seu aluno e permitirá intervenções mais adequadas e efetivas na direção dos objetivos traçados, considerando as possibilidades de cada aluno a cada momento.
E, ainda, na medida em que os próprios alunos conhecerem os objetivos do projeto ou da unidade de estudo (Para que realizar o trabalho? O que aprenderemos com ele?), estarão mais diretamente engajados, prontos a participarem também de sua avaliação, assim como da programação de novas ações para superarem eventuais dificuldades.
Assim, se pensarmos, por exemplo, na avaliação de um texto, podemos simplesmente devolvê-lo aos alunos com as marcas da correção, que destacam os erros cometidos, e um conceito, ou podemos oportunizar revisões (coletivas, em grupos, duplas e/ou individuais) que discutam os erros e acertos, que busquem alternativas de correção e justificativas.
No primeiro caso – que talvez tenha sido vivido por muitos de nós como alunos -, o professor teve trabalho, levando os textos para casa e corrigindo-os um a um, mas os alunos, que apenas os receberam, só olham e guardam, ficando contentes ou chateados, conforme o conceito tenha sido bom ou não e as marcas poucas ou muitas. E os alunos com dificuldade(s), a cada texto recebido com o mesmo conceito e as constantes marcas, ficam se perguntando sobre o que fazer e como melhorar, já que, apesar do esforço, muitas vezes, repetem o desempenho. Sim, porque alguns erros, talvez os de atenção, até poderão ser reconhecidos, mas a maioria, que se refere ao que o aluno não sabe (e por isso errou!), dificilmente poderá ser corrigida por ele sozinho e muito menos a simples correção do professor irá contribuir para alguma aprendizagem que supere essa(s) dificuldade(s). Para que serviria, então, a avaliação? Nesse caso, somente para qualificar, classificar, certificar e/ou selecionar.
No segundo caso, no entanto, podemos vislumbrar realmente o ensino e, portanto, a possibilidade de alguma aprendizagem, pois apenas “passar uma tarefa e depois corrigi-la” não é ensinar. Ensinar é mostrar como se faz, é oferecer situações para que o aluno interaja com o objeto de estudo e se faça perguntas, é orientar suas experiências, acompanhar suas hipóteses, formulações e novas tentativas, é desafiar a cada passo, com um desafio do tamanho certo, é auxiliar e dar a mão para o aluno avançar e perceber esse avanço com satisfação.
É somente revisando junto, discutindo, usando pautas e critérios claros, de preferência elaborados com o próprio aluno, e/ou aulas específicas sobre determinadas ocorrências ortográficas, gramaticais, estruturais e de linguagem, intercaladas com as discussões, que ele irá construir conhecimentos necessários para realmente avançar, de modo a, gradativamente, ter condições de se autoavaliar, inclusive enquanto escreve, de revisar seu texto, de buscar referências em fontes seguras que aprendeu a utilizar, ou seja, de se autorregular.
Em outras palavras, se acreditamos que a avaliação pode servir também para aprender e ser formadora, é preciso a participação ativa do aluno e um trabalho ágil, diversificado e persistente dos professores em aula, com os alunos, apontando, questionando, informando, desafiando, trazendo modelos e exercícios de sistematização de determinadas habilidades e conhecimentos relacionados. Sem falar, é claro, na necessidade de contextualizar e dar sentido a essas escritas e seus objetivos.
Notas:
(1) O mesmo curso foi realizado pela profª Caliana e outros professores da equipe realizaram outros cursos, sobre diferentes temas, na mesma modalidade: Nicole estudou sobre “Situações de pesquisa na educação infantil”, Jéssica sobre “O encontro de Piaget e Vygotsky na sala de aula” e Rafael sobre “Brincar: os espaços e as intervenções do professor para a construção de um ambiente lúdico de qualidade”. Já as Jornadas (4 no ano), que trataram de “Condições para um ambiente favorável ao ensino e à aprendizagem”, discutindo a formação do professor dentro dessa perspectiva, o clima escolar e a educação sociomoral, foram realizadas pela coordenadora Michele e pelas professoras Márcia e Ana Carolina.
(2) Sanmartí, Neus. Avaliar para aprender. POA, Artmed, 2009. Cap. 1: A avaliação é o motor da aprendizagem, pág. 21.