Artur Gomes de Morais (*)
Cena 1: Com 2 anos e 10 meses, Pedro pega um livro de histórias, abre e fala: Era uma vez um oceano… (vira a página e diz): – Tinha peixe e mamãe-peixe.
Cena 2: Aos 3 anos e 10 meses, Marina, na hora do almoço, se vira para os pais e diz: – Mamãe, a professora hoje leu pra gente um livro de Tatiana Belinky. Eu já conheço três livros de Tatiana Belinky.
Na minha infância, lá pelos anos 1960, as cenas acima não aconteceriam. Só depois de alfabetizados poderíamos “conhecer” livros de literatura infantil e havia poucos autores escrevendo para as crianças desse Brasil.
Hoje, sabemos que as oportunidades de conviver, na escola e em casa, com diversos textos e suportes escritos é fundamental para que os pequenos, desde muito cedo, desenvolvam a curiosidade por livros de ficção, HQs e outras coisas que provocam puro prazer. Além disso, nas rodas de leitura, meninos e meninas com menos de 4 anos já começam a compreender a linguagem própria dos textos escritos (e, é óbvio, a fazê-lo quando ainda não estão alfabetizados).
Como Pedro, do exemplo acima, incorporam o jeitão próprio dos textos escritos, o que os vai ajudar a compor os seus, quando os escreverem de próprio punho ou com um teclado. E, como Marina, passam a ser cidadãos que circulam no mundo letrado, curtindo e “seguindo” autores, vivendo uma experiência cultural tão refinada como gratificante.
Nesse campo, em oposição aos antigos maus-tratos que a leitura literária recebia na escola, décadas atrás (lembram-se das antigas “fichas de leitura”?), alguns têm defendido um ideal de liberdade absoluta das crianças, adolescentes e jovens, ao viverem leitura no ambiente escolar. Esse posicionamento me parece mais confundir que ajudar a encontrarmos uma boa solução para darmos um adequado tratamento às leituras no espaço escolar. Sim, falo leituras, no plural, porque me parece obrigatório reconhecer que, ante seus aprendizes, a escola precisa garantir diferentes habilidades e posturas no mundo da escrita.
Levando em conta que o prazer de ler literatura, com liberdade, tem que ser assegurado, penso que nossos leitores em gestação precisam viver a escolha de textos para deleite e que, por exemplo, não cabe, diante de uma poesia, quando essa é jogo e encantamento com palavras, ficar perguntando aos pequenos “qual é a mensagem” ou “a ideia principal” do texto.
Mas é papel da escola ensinar a compreender textos, sim! Ela tende a cobrar, a avaliar (se o aluno compreendeu ou não) e nem sempre ensina os leitores em formação a desenvolver estratégias de compreensão, que, hoje sabemos, podem e devem ser acionadas desde a Educação Infantil e envolvem tanto habilidades simples (como recuperar uma informação explicitamente dada pelo autor do texto) como estratégias mais sofisticadas (por exemplo, inferir as razões que fizeram um personagem enganar outro no decorrer de uma fábula).
Para aprender os conteúdos escolares, precisamos ser bons leitores de textos variados: informativos, científicos, didáticos. Penso que, para cumprir seu papel, a escola deve saber garantir a liberdade do(a) aprendiz em ler por puro deleite, ao mesmo tempo em que assume a tarefa de ajudá-lo a compreender textos “difíceis”, porque ensinam coisas que ele(a) ainda não sabia.
(*) Professor titular do Centro de Educação da UFPE
Ótimo texto, gostei muito! Obrigada por compartilhar!