Julio Cesar Walz (**)
As crianças colocam os adultos diante de situações que lhes exigem presença, rapidez e jogo de cintura. Tal convocação tem a tarefa especial de usar o adulto como instrumento de mediação (objeto transicional) para aplacar as angústias do desenvolvimento.
“Pai, me dá a mão.”
“Mãe, fica comigo que tá escuro.”
“Pai, vai faltá luz?”
Lembrei-me de certas ideias sobre educação dos filhos sobre as quais gostaria de fazer alguns comentários. Muitas vezes se diz que, quando uma criança chora, a gente deve deixá-la chorar até cansar, pois, caso contrário, nunca saberá esperar. Pois bem, este pode ser um exemplo típico do excesso de realidade na vida de uma criança. É claro que ela vai parar de chorar. Mas de exaustão. Se for só manha, passará logo, e ela voltará a algum tipo de brincadeira. Mas se for necessidade da presença de um adulto protetor, gerada por algum medo ou ansiedade, a exaustão tomará conta do seu corpo. Vai dormir, pois a dor psíquica gerada pelo excesso lhe acarretará cansaço. E nessas horas o bom senso ou uma interpretação clara são exigidos do adulto, que deve estar atento para quando for convocado para proteger a criança dos excessos. Aqui não podemos esquecer que a criança é um ser em desenvolvimento, portanto, com a atividade mental também em desenvolvimento. Por isso, bons pais são aqueles que detectam e protegem as crianças dos excessos. Isto certamente ajudará para que o medo da e na vida não cresça demais na criança. Amor não faz mal a ninguém. Ausência ou raiva sim.
Uma outra ideia que quero destacar é o pouco caso que se faz do medo das crianças. Quando uma criança apresenta algum medo, o adulto tem uma reação quase que imediata de menosprezar ou de se sobrepor ao infante, dizendo algo do tipo: “Deixa disso… isso não existe”. Esta resposta pode não ser suficiente, na medida em que está construída com a pressa e a própria angústia do adulto cuidador, que tem dificuldades para tirar um tempo e estar na presença da criança.
Aliás, tempo é um bem de consumo que muito nos castiga em nossos dias. Talvez você já tenha tido esta sensação: a de que brincar é uma perda de tempo. O brincar é um estado mental em que nossos pensamentos podem ficar vagos, soltos, sem a exigência de uma tarefa ou a realização de um compromisso. Há tantas coisas para fazer e aprender, que o aleatório não pode ocupar espaço na vida cotidiana. Isto é uma pena, pois empobrece a vida ficcional, a vida imaginativa e a construção da solidariedade.
E aqui vai um recado aos pais: a tarefa a que os adultos são convocados pelas crianças, a de serem mediadores entre elas e o mundo (realidade), não é uma tarefa fácil. Exige disponibilidade, tempo e compartilhamento. Trata-se de uma tarefa que sobrecarrega quando somente um dos genitores ocupa esse lugar de cuidador, justamente porque cuidar exige disponibilidade afetiva, para a qual nem sempre estamos dispostos ou em condições. Não que seja impossível cuidar de uma criança sozinho. Mas é mais difícil, e o cansaço tende a ser maior diante das exigências que as crianças fazem. Educar é uma tarefa que precisa ser compartilhada em todos os níveis, seja em casa ou na escola. A tarefa do cuidado é cansativa, ainda mais quando ela deixa de ser lúdica para ser apenas de exigências.
Talvez você deva estar se perguntando: será que tudo isso que está sendo dito sobre o cuidado com as crianças não é um exagero? Cuidar, brincar, falar? Será que as crianças já não são o centro do mundo, que você já não se dedica tanto a elas ou vê outros pais e professores fazendo o mesmo?
A questão está em nos perguntarmos sobre qual perspectiva o cuidado está sendo feito. Por isto, gostaria de dizer algo aos pais, algo que eles deveriam saber, mas se não sabem, devem ficar atentos: para os filhos, os pais nunca são suficientes.
Eles exigem mesmo. E sempre estão dizendo que a gente fez pouco. Você pode passar o fim de semana todo brincando com eles. No fim do domingo são capazes de dizer que você não gosta deles porque não quis fazer isto ou aquilo. Mas o adulto não precisa cair na armadilha da culpa (onipotência) e do consumismo sem-fim. A tarefa do adulto não está em favorecer apenas a materialidade da vida. A sua tarefa mais essencial é outra: favorecer a imaginação, a criatividade e a curiosidade, que são as pontes para enfrentar a vida. Estes elementos favorecem formas para a elaboração dos conflitos. São os instrumentos de apoio para os progressos e âncoras nos retrocessos durante a vida.
E volto a destacar: a construção de pontes exige tempo e paciência. Tudo é um processo e necessita sempre da presença cuidadora dos adultos.
(1) Trecho do livro Aprendendo a lidar com os medos – A arte de cuidar das crianças (pág. 45 a 47 ), o qual se encontra esgotado, na quarta edição, disponível somente em ebook/kindle: www.criandoconsciencia.com.br. Com autorização do autor, seguiremos publicando neste blog, ao longo de todo o ano, alguns trechos selecionados desse livro, falando sobre os medos infantis e as formas de lidar com eles. Não deixe de acompanhar!
(2) Pai de ex-alunos da Projeto, Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Ciências Médicas/UFRGS – HCPA e autor do livro citado.