Cristine Zancani e Fernanda Lantz (2)
O Mães de Quinta da Projeto aconteceu em duas noites do mês de agosto (3). Nasceu do desejo de proporcionar um espaço de conversa e escuta entre mulheres/mães, afetadas de modo muito particular pela pandemia. Nasceu também da vontade de que os encontros que tínhamos na porta da escola não se perdessem. A escola é – também – um espaço de exercício de afeto, não somente para as crianças, mas para nós. Amizades profundas se estabelecem ali. A nossa amizade foi um encontro de porta da escola, que virou um café pelos arredores, muito happy hour depois da aula, visitas, viagens e até projetos em comum – entre eles, esse.
Cada encontro do Mães de Quinta foi pensado a partir de um tema disparador da conversa. Na primeira noite, o tema foi: A criação de espaços para a organização da rotina e de frestas de leveza para enfrentar o caos. A ideia era conversar sobre como estávamos nos virando nesse período em que nossas casas tiveram que aumentar de tamanho para abrigar: a escola das crianças, o nosso local de trabalho, o parque, a saudade etc. Aumentando de tamanho, nossas casas também diminuíram. Como viver nesse espaço ora estendido, ora encolhido?
Nas falas publicáveis dessa primeira noite de conversa: teve quem conseguiu contemplar a casa e sentir o ciclo do sol nos dias, conhecendo e se encantando com a luz e a sombra; teve quem sempre desejou morar em um lugar que tivesse vista para a natureza – e se espantou ao perceber que já tinha uma janela com a vista desejada; quem fez concessões na educação dos filhos e filhas para ganhar tempo de descanso – ou de trabalho; quem se viu mais paciente e encantada com as crianças por não estar sempre correndo, quase atrasada, para cumprir compromissos fora.
Se quem está só deseja companhia, quem está em família deseja ficar só. Não tem condição ideal de passar por esse período. Para inventar a solidão, vale levar o cãozinho para passear e se perceber fluente no idioma canino – “porque ele pede pra gente ficar uns 15 minutinhos sentados na escada do prédio, curtindo o arzinho da noite”; vale no meio de uma volta na quadra para ficar um pouco sozinha, mandar mensagem para dividir com as amigas o momento precioso; vale chegar do trabalho e ficar sentada no carro, um bom tempo antes de descer e entrar em casa.
Viver o espaço é também pensar no tempo. Houve quem, a partir de uma rotina bem menos corrida, percebeu que vivia em função de uma maratona de idas e voltas com as crianças e que é possível administrar o turno inverso à escola com bem menos correria. Se sente saudades da vida de antes, mas há experiências “nessa” vida que não se deseja abandonar…
Na segunda noite, algumas pessoas voltaram e outras novas chegaram. O tema foi: O efeito da impossibilidade da rede de apoio presencial e o fortalecimento de vínculos e afetos através do virtual. Uma fala recorrente nesse encontro foi o impacto de não só perder a ajuda dos avós no cuidado com as crianças, como passar a ter que cuidar deles nesse momento. Lidar com a fragilidade dos seus pais foi algo muito duro para as mulheres. Além da preocupação com a saúde deles e da demanda nova de administrar suas casas, evitando que eles se exponham, veio junto a tristeza de perder o contato, muito sentida também pelas crianças. Lidar com a tristeza e a solidão dos filhos e filhas, aliás, é um grande desafio nesse momento.
Por outro lado, foi mencionado que algumas crianças, com a perda da rede, tiveram que buscar/conquistar maior autonomia e que isso foi uma surpresa positiva. Com a pandemia se estendendo muito mais do que se imaginava, muitas de nós começaram a pensar de que forma se pode tecer pequenas redes, com segurança.
Embora os assuntos tenham sido densos – afinal de contas a pandemia perpassa o recorte deles -, essa segunda noite foi uma noite de muita risada, onde a conversa se estendeu para além do horário programado. Estar entre mulheres é sempre potente, mas nesse contexto, foi ainda mais. Ao longo do encontro costuramos juntas uma rede de apoio, tecida por fala, por escuta, por compreensão, que mostrou que é possível se sentir acolhida apesar da distância.
A intenção desses encontros sempre foi que fossem íntimos e privados. Eles não foram gravados, nem fotografados. Queríamos, com isso, garantir que todas se sentissem à vontade para se expor. Por conta disso, contamos aqui só um pedacinho do que aconteceu. Muitas outras falas e fatos permanecem pertencendo somente ao grupo, como um segredo compartilhado. Um segredo que segue reverberando força e coragem em cada uma de nós.
(1) Escrito a quatro mãos e a muitos olhares.
(2) Mães de alunos(as) da escola.
(3) Em setembro, o Mães de Quinta volta com mais duas edições e com novos assuntos.