Ana Carolina Rysdyk da Silva (*)
“Sete meses, profe. Faz sete meses”. Essa foi a fala, emocionada, de um aluno ao entrar na sala de aula, depois de sete meses.
A primeira vez que eu entrei na Projeto foi em 2009. Eu ainda estava na faculdade. E lembro de muitas “primeiras vezes“ aqui. Lembro da primeira turma. Lembro do primeiro presente. Lembro do primeiro último dia de aula. Lembro do primeiro encerramento de 5º ano em que fui professora. Lembro da primeira vez que chorei como professora. Lembro de cada um dos primeiros dias de aula e lembro também de todos os últimos dias de aula. Mas assim como todos os professores desse mundão gigante, nunca imaginei que aconteceria com a escola tudo que aconteceu este ano e que lembraria do primeiro dia de aula virtual, vendo meus alunos através de pequenas telinhas. E que, mesmo assim, criaríamos vínculos de forma tão sensível.
“E a gente pensou que iam ser só 15 dias, hein, profe?!”. Disse outro aluno.
É, a gente pensou. E, enquanto me lembro de todas as minhas primeiras vezes na Projeto, vivo pela primeira vez o entrar na escola depois dos sete meses, para encontrar alguns poucos colegas e pensar no possível retorno. Do sentimento estranho de pertencer sem poder pertencer. Como se não pudéssemos estar ali. Era uma emoção contida, com medo, com atenção, sem jeito. Uma emoção que precisava ficar guardada. E, junto disso, uma vontade enorme de voltar. A vontade de estar junto. A vontade de abraçar tua colega, de tirar foto, sentindo o cheiro do perfume de cada uma das mulheres que estava lá naquele dia. Ficamos emocionadas. A boca sorria. Os olhos não deixavam a máscara esconder o sorriso.
Então, chegou o dia 28 de outubro e eu vi, ao vivo, em carne, osso, cabelo crescido, tamanho maior do que esperava, os meus meninos. Com 10 e 11 anos e já mais de um metro e meio de altura. Depois, no dia 30 de outubro, encontrei algumas das minhas meninas, também maiores e com cabelos mais compridos, exceto por uma delas, que criando as próprias regras sobre como deve cuidar de seus cabelos na ‘quarentena de 200 dias’, apareceu com um corte lindo, que ela mesma fez. Foi ela quem disse: “Como a gente faz pra ver e não abraçar?”. E ouvimos a voz umas das outras. Estavam ansiosas por conversar e se ver. E correr no pátio e inventar outros jeitos de brincar junto, mesmo que separadas.
Ser professora nos reserva tantas surpresas boas, tantas descobertas, tanto estudo, tanto trabalho, que passamos boa parte de nossas vidas envolvidas com isso. Costumo chamar a escola de MEU LUGAR SEGURO. Tiraram nosso lugar seguro. Disseram que nosso lugar seguro não é mais seguro agora. Voltei pra escola, com cuidado, com receio, mas com muita vontade de voltar e de estar ali, com a minha turma, com as minhas crianças, com as nossas trocas.
E, neste dia 30 de outubro de 2020, depois dessa semana cheia de emoção guardada, eu deixei transbordar o sentimento pra fora dos olhos. E chorei. Chorei de saudade que estava do meu lugar seguro. Chorei lembrando dos meus alunos olhando cada cantinho da sala e do pátio. Chorei olhando o pé de araçá cheio de flor ao lado da quadra. Chorei de feliz. Pode ser que a escola não volte a ser o que esperávamos tão cedo. Pode ser que seja cedo pra voltar. Pode ser que aconteça algo e tenhamos que parar de ir pra escola novamente. Pode ser tudo isso. A Elida Tessler, artista deste ano, disse que “um livro lido nunca mais vai ser retirado de você”. Acho que esse reencontro, neste ano atípico, depois de sete meses, ninguém mais me tira também.
(*) Professora do 5º ano na Projeto.