Julio Cesar Walz (2)
Até aqui desenvolvi a ideia do adulto cuidador que participa da construção de pontes mentais junto às crianças (3). Destaquei que a tarefa do adulto está em colocar-se como intérprete que traz a experiência do tempo para que a criança não fique demasiadamente sobrecarregada com o espaço infinito da mensagem. Justamente por ter a capacidade mental mais desenvolvida, o adulto deve colocar-se junto à criança, evitando que ela venha a sofrer de excessos ou grandes intensidades ao longo de seu desenvolvimento. Tal objetivo está em permitir que o aparelho psíquico da criança não fique sobrecarregado e, consequentemente, não fique aprisionado em fantasmas, perdendo a esperança no investimento emocional e aumentando em muito os medos normais no viver.
Chegamos à vida adulta. O que podemos observar é que o medo adquire novos formatos e, muitas vezes, passa desapercebido pelo próprio sujeito que sofre. A pergunta que podemos fazer é: quem cuida do medo do adulto? A resposta, absolutamente óbvia, é que ele mesmo deve cuidar do seu medo. E é o que acontece. O adulto já está em condições de cuidar-se sozinho, ao menos em tese. E ao mesmo tempo estou dizendo, o que todos sabem, que o adulto também sente medo, independente de toda a saúde que tenha sido conquistada durante o seu desenvolvimento.
Mas o que muitas vezes observamos é que existem momentos em que o adulto enfrenta situações muito intensas perante as quais realiza um grande esforço para vencer as dificuldades. E, apesar do esforço, sofrimento, muitas reflexões, ele não consegue se mexer ou seguir adiante com a vida. As pessoas ao seu redor observam o que se passa, detectam e, muitas vezes, comunicam, mas aquele que está em sofrimento não consegue sair das amarras, até mesmo acaba se enfurecendo com quem tenta ajudá-lo. As dificuldades que o adulto sofre podem ser percebidas em três variáveis independentes ou inter-relacionadas:
- a precariedade na construção de pontes mentais durante o processo de desenvolvimento;
- consequências do excesso de estímulo que está sofrendo ou que tenha sofrido no passado;
- algum distúrbio de caráter orgânico.
(…) Vou me dedicar [nos próximos capítulos] a alguns conceitos e mostrar, na prática, alguns medos de caráter limitante na vida de uma pessoa. Descreverei situações que podem auxiliar você a detectar esses sintomas mais intensos e que normalmente necessitam de um auxílio psicoterápico e/ou medicamentoso. [Também] vou me referir aos medos ou situações com os quais lidamos diariamente e que, de uma forma ou de outra, podem nos atingir por meio de nossos fantasmas sem que nos apercebamos.
Gostaria de chamar a atenção ainda para um fato muito importante: Trata-se da capacidade que o ser humano tem em se adaptar. Isto tem seu lado positivo, é claro. O lado negativo é que muitas vezes acabamos nos adaptando às situações psíquicas limitantes, achando-as normais, vivendo mal, desconfortavelmente e sem prazer. Ou seja, o psiquismo tem uma força de produzir um autoengano que sustenta a ideia de que viver mal é bom ou necessário. Alguns chamam isto de se acostumar. Ou, se não é bom, é plenamente aceitável sofrer. Outros chamam isto de destino. Em todos os casos, os dois argumentos sustentam a lógica de um viver mal ou sem prazer.
Mesmo que as pessoas digam que estão sofrendo muito, não conseguem realizar um movimento de busca de solução. Isto acontece até nos aspectos mais básicos do viver. Alguém diz: estou com dor de cabeça, mas não toma nenhum analgésico porque acha que irá lhe fazer mal ou que consegue aguentar a dor, ou que não precisa desses artifícios ou até que deve aguentar a dor para aperfeiçoar-se na arte da sobrevivência.
Espero que, no final [destes próximos capítulos], eu possa ter ajudado você a poder reconhecer os seus medos e o tenha incentivado para que busque ajuda técnica competente, quando necessário, a fim de que possa recuperar um pouco mais o sabor da vida e do viver sem a necessidade de se defender com arrogância e onipotência emocional.
Notas:
(1) Trecho do livro Aprendendo a lidar com os medos – A arte de cuidar das crianças (excertos das páginas 113 a 117), o qual se encontra esgotado, na quarta edição, disponível somente em ebook/kindle: www.criandoconsciencia.com.br. Com autorização do autor, publicamos neste blog, ao longo do ano, alguns trechos selecionados do livro, falando sobre os medos infantis e as formas de lidar com eles.
(2) Pai de ex-alunos da Projeto, Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Ciências Médicas/UFRGS – HCPA e autor do livro citado.
(3) Nos 4 textos anteriores publicados neste blog, o autor fala sobre o papel dos adultos em relação aos medos infantis, citando e/ou exemplificando alguns deles, e trazendo reflexões sobre formas de cuidado sob o título de “construção de pontes”. O texto de hoje anuncia o olhar do autor para os adultos (cuidadores), deixando mais um convite para a leitura dos capítulos seguintes, que, no livro, falam dos medos visíveis e invisíveis dos adultos, e que, por questão de espaço, não podemos trazer aqui.