Cristine Zancani (*)
Não posso falar por todas as crianças, mas reparo, nas que fazem parte dos meus afetos, que elas estão exaustas do ensino remoto. Uma aula virtual não foi feita pra quem se expressa ou aprende tanto pelo corpo.
A gente sabe que é o jeito que dá/deu pra ser este ano. Mas que esse jeito não combina com a infância, a gente também sabe. É até incompatível, eu diria. Acredito que quanto maior a liberdade que as crianças tinham em suas escolas, tanto maior o estranhamento/cansaço que sentem – porque a tela exige uma participação que tende a engessar.
Entre os desafios gigantes que as professoras têm, está o desafio de captar essas fases de maior cansaço pelas quais as crianças passam e puxar elas de volta. Além, é claro, de tirar a dureza de um ambiente que por si só é mais duro. Aí entra em cena um ingrediente que foi fundamental este ano na docência: a sensibilidade.
Professoras com o olhar sensível fizeram enorme diferença nos momentos de maior cansaço. Clara passou/tem passado por esses momentos de tempos em tempos. E eu vou contar aqui duas histórias muito simples sobre a sensibilidade da Carol, professora dela.
Na aula presencial, as crianças tinham muito espaço de interação e conversa entre elas. O virtual acabou com as conversas sussurradas, bilhetes trocados e os olhares cúmplices no meio da aula. Vocês imaginam o impacto disso? Ao contrário de muitas professoras, que desativam sempre o chat nas aulas, a Carol deixa ele ativado em vários momentos, consciente de que o espaço de troca entre as crianças é parte do desenvolvimento delas. Clara me conta comentários muito engraçados que recebe em aula e eu só não vou contar alguns que me fizeram rir muito porque a Carol vai ler este texto. Mentira. Ela riria junto.
Agora, vou contar um gesto bem pequeno, que me emocionou por ser imenso. Em uma fase de cansaço enorme pela qual passou, Clara saiu da aula com um sorrisão me contando que a Carol tinha alterado o nome dela no Zoom, no meio da aula. Quando a Clara viu, não estava escrito na janelinha dela só Clara. Carol tinha acrescentado: “como a luz do sol”. Sim, a Carol cantarolou algumas vezes esse trecho do Lulu Santos ao renomear minha f(ilha). Nesse cantarolar, esse canto foi/tem sido uma corda puxando ela do cansaço.
Nesse caso, um nome não é só um nome. Um nome é um carinho. Um afago. Uma força. Um fazer sorrir. Um nome também faz parte de quem nomeia.
Obrigada, Carol, por ser clara como a luz do sol neste ano tão pouco ensolarado.
(*) Cristine é mãe da aluna Clara/5º ano, doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e integra projetos de formação de leitores.