Luciane Slomka (*)
Buscando a definição de “remoto” no dicionário chego a duas colocações: “que ocorreu há muito tempo; distante, longínquo” e “distante no espaço, distanciado”. De fato, essa é a sensação no momento. O ensino é remoto: distante no espaço e longínquo também. Apesar de todo o empenho para que esse espaço ainda esteja rodeado de afeto dos professores, a demanda intensa das crianças por atenção e um olhar se impõe e é nesse aspecto que sinto a maior perda.
Parece-me inevitável falar desse momento sem pensar na perda. Nunca o infantil foi tão cercado de morte, de tensão, as máscaras enquanto representantes desse grande limite. Dora não sente ainda a gravidade da consequência “morte”. O que ela sente é a perda do espaço de convívio, perda de sua autonomia e de um espaço de conquista do aprendizado e a consequente potência que isso traria se pudesse estar acontecendo longe do olhar dos pais. Psicologicamente, existem certos saltos do desenvolvimento infantil, que deveriam, sim, ocorrer longe do olhar dos pais, e isso não está sendo possível no momento.
Enquanto mãe, o que mais me inquieta é a perda social, muito mais do que a perda cognitiva que inevitavelmente se impõe, mas que – tenho certeza – poderá ser sanada e suprida posteriormente. Aprender é uma experiência socioafetiva e certamente a máquina computador nunca vai dar conta da mesma. Quando olho minha filha sentada em frente ao computador diante de todos aqueles “quadradinhos” de rostos dos colegas e professores, sempre me pego pensando que numa sala de aula jamais esse bloco de rostos estaria se apresentando dessa maneira simultânea e, por vezes, caótica. Ela poderia escolher para quem dirigir seu olhar, em seu próprio tempo. Em alguns momentos, ela me pergunta: “Mãe, onde estou eu?”, querendo se identificar naquele monte de quadrados, e eu, talvez pela minha formação de psicóloga e psicanalista, acabo sempre indo além e me perguntando de fato, onde ela sente que está? Está em casa e na escola ao mesmo tempo? Está na tela ou aqui na cadeira sentada? Ela se enxerga entre aqueles quadradinhos, quando numa sala de aula “real” não se enxergaria de fora e viria a construir, aos poucos, uma imagem de si mesma naquele cenário, ocupando um espaço físico, sendo vista, percebendo-se vista ou não, movimentando-se nesse espaço como fosse necessário.
Acabo me remetendo às minhas primeiras experiências escolares e todo o ritual que envolvia sentar na classe, dispor meus materiais novinhos, estar de uniforme, os recreios no pátio, as primeiras experimentações no universo das amizades, sentir-se às vezes aceita, noutras estranha, ter as melhores amigas, as brigas, os ciúmes e todo esse repertório emocional que a escola inaugura. Preocupo-me com essa falta. A necessidade pela vida e pela saúde é imperiosa, certamente, mas ainda assim essa perda é real e precisa ganhar nome. Tentamos estabelecer esse “lugar” da escola em casa, um ambiente físico nem sempre ideal para esse fim. Como mãe, preocupo-me com o quanto interfiro, apoio ou ajudo, quando sei que no ambiente da escola essa ajuda precisaria ser batalhada e sobre o quanto essa batalha de cada criança faz parte de seu crescimento.
Seguimos, enquanto família, tentando oferecer esse espaço de crescimento, desejando que, além de um ser humano letrado, Dora se torne acima de tudo um ser humano afetivo, empático e respeitoso com o outro. Agradeço sempre que tudo isso esteja acontecendo num ambiente como a Escola Projeto, onde percebo o empenho para que todos esses desafios que citei nunca superem o afeto e a transmissão do conhecimento para as crianças de uma maneira progressiva, divertida, respeitosa e cuidadosa.
Espero de todo o coração que isso tudo passe logo, que a minha filha possa de fato explorar e conhecer esse espaço físico da nova sede, que possa abraçar os colegas e professores, que volte para casa – agora espaço apenas doméstico – com histórias que eu não vi para me contar, com novidades de um universo de conhecimento que ela ainda há de conhecer cada vez mais, com um sorriso no rosto que possa encontrar o meu sorriso de volta ao pensar que saímos desse momento tão terrível vivendo num país quem sabe mais justo, igualitário e democrático.
(*) Mãe de aluna do 1º ano da escola, psicóloga clínica e psicanalista.