Teté Furtado (*)
Sou daquelas pessoas que estão contando os dias sem saber quantos dias faltam. Eu, meu companheiro e nossa filha de 4 anos, em breve, completaremos 400 dias em quarentena. Como a maioria dos pais, se não todos, estamos cansados, exaustos e preocupados com os efeitos da pandemia na saúde mental da Antonia.
Tudo na pandemia é muito complexo e difícil. Diversos meios de comunicação, profissionais da saúde e educadores já salientaram os danos que o isolamento pode causar nas crianças: alterações de sono, distúrbios alimentares, dependência excessiva dos pais, aumento do uso das telas, depressão, ansiedade, regressões relativas ao desfralde, ao uso da chupeta e por aí vai. A lista é longa e, evidentemente, varia de acordo com a faixa etária e as características de cada criança. O contexto familiar e a forma como os adultos ao redor lidam com a situação também são fatores determinantes nos reflexos que o confinamento tem ou terá nos pequenos.
Desde o início da pandemia, procurei criar uma rotina de atividades lúdicas e brincadeiras com a minha filha. Criei, inclusive, um site e um perfil no Instagram para registrar e compartilhar nossos passatempos. Posso dizer que estou fazendo uma espécie de diário da quarentena através dessas postagens. Massinha de modelar, argila, teatro de sombras, dança, experiências culinárias, clube de leitura, kit de atividades, bola, balão, Lego, quebra-cabeças, jogos de tabuleiro, pintura, bolhas de sabão, pega-pega, esconde-esconde, cabana, casinha, aventuras de resgate, instrumentos musicais: tudo isso e muito mais já aconteceu no nosso apartamento nesse incessante isolamento social.
Apesar da minha exaustão, penso que meu esforço está valendo a pena, pois observo que os efeitos da quarentena na saúde mental da Antonia são mínimos. Mas põe esforço nisso: me dedico a ela o dia inteiro. Às vezes, penso como será daqui uns 10 anos, quando a Antonia estiver na 8ª série, por exemplo. A professora dela de História irá dizer: “Pessoal, semana que vem, teremos prova sobre o ano de 2020 e a Covid-19. Estudem!”. A Antonia vai pensar: “Ah, eu passei esse ano inteiro com meus pais em casa e foi muito divertido”.
Assim como me enquadro no grupo de pessoas que estão contando os dias sem saber quantos dias faltam, também me encontro no grupo dos privilegiados que possuem condições estruturais e financeiras para fazer da quarentena um período de boas lembranças. Somos abençoados por estarmos com saúde e por não termos perdido nenhum familiar para esse vírus cruel. Estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. O coronavírus veio também para acentuar ainda mais as injustiças e as desigualdades sociais. Isso me rouba o sono diversas noites.
Não sei de onde tiro saúde mental para fazer da nossa quarentena uma fábrica diária de brincadeiras, já que absolutamente todas as minhas atividades profissionais, artísticas, hobbies e vaidades evaporaram. Mas reconheço que, mais do que nunca, sou o reflexo do mundo para a Antonia: se eu me desestabilizar, ela se
desestabiliza. Fico me lembrando do filme “A vida é bela” (1997), de Roberto Benigni. Estamos reconhecendo as enormes diferenças de contexto e gravidade, presos também. E tento fazer como o protagonista do filme: minha filha não pode perceber. A diferença é que vamos vencer no final.
Para algumas mães, a quarentena é uma maravilhosa licença-maternidade estendida. Para outras, um puerpério doloroso que não acaba. Algumas mães podem contar com babás, empregadas domésticas e avós. Outras estão revivendo a solidão que é cuidar de uma criança, como nas infindáveis noites de amamentação. Os efeitos da pandemia na vida das mulheres também formam uma lista longa. Mas esse assunto mereceria outro artigo.
O mais ilógico de tudo isso é que, quando deito a cabeça no travesseiro à noite, com dores no corpo de tanto brincar, penso que daqui uns 10 anos, na mesma época da prova de História sobre o coronavírus no colégio da Antonia, ela estará entrando na adolescência. Vai começar o tempo em que os amigos começam a se tornar mais interessantes do que os pais. Por isso, eu brinco agora, incansavelmente. Porque sei que, depois, vou pensar: “que saudade daquela quarentena”.
(*) Teté é publicitária, bailarina de Dança Contemporânea, Especialista em Dança pela PUCRS e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Atualmente é pós-graduanda em Influência Digital: conteúdo e estratégia, pela PUCRS. É professora de Dança para crianças desde 2003 e gerencia o site Dicas Arteiras. Tb é filha da nossa querida parceira de tantos eventos, a psiquiatra Nina Furtado, que introduziu os textos deste mês em homenagem às mães.