Celso Gutfreind (* )
Claro que há outros exemplos mais elevados, mas a gente costuma valorizar mais ainda o que sente na pele. Ou na goela. Eu estava no aeroporto de Orly, aguardando um voo para Lisboa, naquela hora do rush; ok, francês também fala rush. Estava cansado da viagem de trem que fizera desde Reims, e aquele cansaço se confundia com uma sede.
Se o cansaço precisava aguardar – e muito – a sua vez, a sede, sim, podia ser sanada. Bastava esperar a longa fila do único quiosque aberto naquelas redondezas. Esperei e, ao ser atendido, optei por algo que costumava tomar na Mesquita do quinto distrito de Paris, quando morei perto de lá, no século passado: um chá com menta.
Pedi o chá, paguei-o, peguei-o e recusei o que o indiano de poucas palavras me alcançava de extra, uma provável embalagem com açúcar. Então deixei a fila e fui sentar-me na primeira cadeira vaga que encontrei, muitos portões adiante. S’il vous plait, Monsieur, disse o homem, interrompendo a minha leitura da Lou Andreas-Salomé, em sua carta para Freud.
Alcançou-me então a suposta embalagem de açúcar, na verdade o chá propriamente dito e que já encontrou no meu copo um resto de água morna, cobrindo folhas de menta sem chá. Virei o pescoço na direção do quiosque do sujeito e, como estava de óculos, percebi que a fila remanescente esperava aquele homem de poucas palavras atravessar muitos portões para não deixar um sujeito beber chá sem chá, o que não costuma ser recomendável.
Também não é recomendável concluir com objetividade uma candidata à crônica, mas concluo que, mesmo nada entendendo de chás com menta, sou craque em identificar empatias, como aquela do indiano capaz de abandonar seu posto de trabalho na França e atravessar uma série de portões para acudir alguém desorientado em termos chasísticos. Ele era mesmo um craque da empatia e o mundo está precisando muito desses craques.
(*) Pai da ex-aluna Mariana, psicanalista e escritor