Beth Baldi (*)
Você certamente já ouviu falar em construtivismo, seja no âmbito das artes ou da educação, quando precisou escolher uma escola para seu(sua) filho(a) e a pedagoga falou disso ao explicar a proposta da instituição.
Em comum com o movimento nas artes, o construtivismo na educação tem o caráter de vanguarda. Porém, como em geral acontece com a assimilação de inovações na educação, houve muitos percalços e equívocos até a apropriação pela escola das ideias trazidas dos estudos de Jean Piaget. Por um lado, em função da teoria original desse biólogo suíço tratar sobre o desenvolvimento humano, sem ter uma relação direta com o fazer da educação. E, por outro lado, porque as novidades nessa área, quando adotadas – depois de vencidas as resistências arraigadas na tradição escolar -, muitas vezes o são apenas para acompanhar a moda, sem maiores estudos e discussões que garantam fundamentação ou preparo, pelo menos num primeiro momento.
Isso gerou uma série de distorções que, até hoje, o construtivismo, como referência teórica para a educação, carrega. A ponto de haver quem diga que ele foi responsável pela decadência do ensino e pelas deficiências que os(as) alunos(as) apresentam hoje se comparados(as) aos alunos(as) da chamada “escola tradicional”, aquela que se ocupava de “passar” uma grande quantidade de conteúdos que o(a) aluno(a) tinha de memorizar e repetir na prova.
Imaginamos que, se estão conosco, na Projeto, é porque não pensam assim. Em todo o caso, trazemos neste texto algumas ideias para vocês, pais e mães da Projeto, que desejam saber um pouco mais sobre essa orientação que está na base do nosso trabalho com as crianças aqui na escola. Talvez ele ajude (assim esperamos!) a desfazer alguma dúvida ou algum questionamento que ainda possa persistir.
Felizmente, hoje em dia, já existem pesquisas didáticas e experiências suficientes para que se possa rebater facilmente a ideia de que a escola chamada tradicional ou conteudista ensina mais. Mas, melhor que isso, já sabemos como transpor aquelas ideias teóricas do construtivismo para ações didáticas de quem ensina, de modo a possibilitar ao(à) estudante que aprenda construindo conhecimentos de forma singular, na interação com o meio, reconstruindo suas experiências e relacionando-as com outras. Isso sem deixar de poder aprender muito mais do que na forma de ensino tradicional.
Sim, porque na medida em que o processo ensino-aprendizagem é organizado e desenvolvido com base nos princípios construtivistas, ele, necessariamente, terá intervenções mais qualificadas e resultará em aprendizagens mais significativas e duradouras, uma vez que adotar esses princípios significa levar em conta, por exemplo, que o sujeito que aprende é ativo e pensante, não mero ouvinte ou repetidor; que “construir” conhecimentos envolve processos internos essenciais de assimilação e acontece na interação com o meio, o que não dispensa intervenções apropriadas e desafios na medida adequada, mas não ocorre só de fora para dentro; que fazem parte desses processos experiências e bagagem anteriores, bem como condições socioemocionais de quem aprende; que o erro, antes de ser um problema, é fruto das tentativas e experimentos do(a) estudante, sendo, portanto, bem-vindo na medida em que revela um clima apropriado para as investigações e mostra como ele(a) está pensando, para, então, se poder planejar outros desafios que o(a) levem a avançar e, progressivamente, a chegar a conceitos, procedimentos ou atitudes que se colocam como objetivo a cada etapa da escolaridade.
Esses e outros princípios deixam claro que os(as) estudantes não aprendem todos da mesma maneira e no mesmo tempo, assim como não aprendem sozinhos, como algumas interpretações iniciais “espontaneístas” quiseram fazer crer. Interpretações essas que levaram professores(as) a deixarem seus(suas) alunos(as) soltos(as) para exercerem sua “autonomia”, ou melhor, abandonados(as) à própria sorte e com poucas chances de transporem determinados conflitos cognitivos mais complexos.
Assim, o que as ideias construtivistas nos mostraram, no fim das contas, foi a importância de se olhar os processos (em vez de somente os resultados) para fazer um ensino com qualidade, profundidade e consistência. E isso implica numa maior complexidade da atuação docente: ao contrário da posição de passividade inicialmente pensada como ideal para o(a) professor(a) que quisesse oportunizar a construção do conhecimento pelo(a) aluno(a), deixando toda a ação para o aprendiz, os docentes precisam saber mais e planejar melhor, com muita consciência e atenção às diferentes variáveis que estão em jogo. Muito mais simples é planejar uma aula expositiva, supondo que com ela se poderá “colocar dentro da cabeça do(a) aluno(a)” os conhecimentos que se deseja. O único problema na nossa visão é que, mesmo se isso fosse possível, (quase) todo o potencial desse(a) aluno(a) ficaria desperdiçado…
Então, é preciso ir além, estudar permanentemente e se estruturar em equipes na escola (1), para garantir que esse tal de construtivismo chegue de fato aos(às) estudantes e eles(as) possam realizar aprendizagens com sentido, em que, a partir de sua experiência concreta, produzam reflexões relevantes, pensando o objeto de conhecimento em diferentes perspectivas, organizando o que pensaram, formulando conclusões e princípios, pondo tudo em relação com tudo, e tendo oportunidade de sistematizar e consolidar o conhecimento. Escolher essa linha de ação é certamente mais trabalhoso, mas infinitamente mais enriquecedor, tanto para os(as) alunos(as) como para os(as) professores(as), porque se desenvolvem com maior capacidade de compreenderem seu próprio processo de aprendizagem e de atuarem com maior autonomia e cooperação nas construções com o outro.
(*) Diretora Pedagógica da Projeto
(1) Aliás, no seminário deste ano na Projeto (de 15 a 19/2), o Construtivismo foi novamente um dos temas de estudo e reflexão com toda a equipe da escola.