Rafael Bricoli (*)
Este ano eu assumi a função de acompanhar os trabalhos do Grêmio Estudantil da Escola Projeto. O Grêmio Estudantil é uma tradição que a escola tem há algum tempo, em que as crianças do 5º ano propõem atividades e ações a seus(suas) colegas das outras séries. Quero dividir com vocês, as reflexões que tenho tido ao fazer esse trabalho, pois acho que é um exemplo concreto do “jeito projeto” de aprender/ensinar.
No ano passado, quando retomamos os trabalhos presenciais, após o longo período de aulas online, eu me enchi de inquietações e vontades de agir. Ao recebermos a proposta de participação no movimento “Escolas pelo clima” (Movimento de escolas pelo Brasil todo comprometidas com a pauta da emergência climática), eu me propus a ser o representante da Projeto nas reuniões, fazendo as pontes para as ações dentro da escola. Uma das minhas propostas era engajar o Grêmio Estudantil em ações concretas relacionadas com o assunto. No começo do ano, revi o estatuto do grêmio e fiz as modificações que achava necessárias, quanto ao formato e propostas de trabalho. Antes havia uma certa hierarquia das funções dentro das chapas (Presidente, vice, secretário(a), tesoureiro(a) etc.). Agora as chapas são divididas em Grupos de Trabalho (GT). Cada GT propõe uma ação que relacione a escola com seu entorno, além de ter conexão com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Foram montadas duas chapas nesse formato: Chapa 1 “Salve e Renove” e Chapa 2 “Animada-mente”.
Cada chapa fez suas propostas de ações. Eu, aprendendo também como conduzir, queria estimular e já pensar em como colocar aquelas ideias em prática. Um baita desafio, já que a criatividade e a vontade de fazer deles(as) eram bem grandes. Estruturamos tudo, fizemos combinados sobre como apresentaríamos as propostas para tentar convencer o restante dos(as) estudantes da Projeto, que aquelas ideias tinham importância. Quando fomos passar nas salas para cada chapa apresentar suas propostas, percebi a desenvoltura das crianças em explicar suas ideias. Estava lá para dar o apoio, mas nem foi preciso. Entre uma sala e outra, como um diretor de teatro, dei os retornos do que eu achava que precisavam explicar melhor ou falar com mais calma, de situações em que precisavam dar espaço para os(as) colegas falarem também, e lá íamos para outra sala apresentar as ideias. Assim como num ensaio de teatro, nas últimas turmas, as chapas estavam tão apropriadas, de um jeito que me espantava. Via aquela cena e imaginava que se eu, com a idade deles(as) tivesse participado de algo parecido com aquilo, seria tudo diferente. O engajamento, a organização coletiva, a propriedade no que diziam, tudo muito coerente. A votação foi feita pelos(as) alunos(as) da unidade 2. A chapa mais votada desenvolveria as suas ações no segundo trimestre, enquanto que a chapa menos votada, faria suas ações no terceiro trimestre. A Chapa 1 “Salve e Renove” foi a mais votada.
Fizemos a primeira reunião pra dividirmos as diferentes funções, já que essa chapa propôs três ações: reciclagem de isopor, pesquisa sobre mobilidade e campanha de agasalhos. Conversamos e dividimos o que cada criança faria para cada uma dessas ideias acontecer: fazer cartazes, pensar nas perguntas, pesquisar empresas e cooperativas de reciclagem, entre outras funções que foram aparecendo pelo caminho. Nesse dia, levei uma proposta a mais, que seria logo a primeira a ser executada. Arrecadar assinaturas para um projeto de lei de preservação da Amazônia. O projeto de lei se chama “Amazônia de pé” e tem por objetivo demarcar as terras públicas da Amazônia como território de preservação e destinação para comunidades indígenas e quilombolas. Para saber mais sobre esse projeto tão importante, acesse https://amazoniadepe.org.br/. Quando expliquei essa proposta, percebi neles uma expressão que vai ficar guardada na minha memória. A expressão de olhinhos brilhando, de quando a gente se encanta e se anima ao mesmo tempo com algo. Ou de quando algo passa a ter um propósito. Era assim que eu fazia a leitura daquela expressão animada. A ação deles(as) era ficar um tempinho na saída da escola para arrecadar as assinaturas. Para isso precisariam conseguir explicar a ideia e a sua importância. Choveu no dia, mas lá estavam eles(as). Levaram folhas para a casa para arrecadar com a vizinhança e também deixamos ali na entrada, disponível para quem entrasse ou saísse da escola. Ao enviar as assinaturas pelo correio, junto foi uma carta que escrevemos, cobrando e torcendo que essas assinaturas ajudem esse projeto a sair do papel.
Depois, veio a ação “Arrecadação de agasalhos”. Com o inverno chegando, a campanha de agasalhos ganhou também um sentido todo especial, pois iriamos colaborar com um trabalho muito importante, que acontece bem pertinho da unidade 2. Uma ex-aluna da escola que trabalha no Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (lugar de assistência e acolhimento de migrantes e de pessoas refugiadas), entrou em contato e fizemos esse acordo da escola ser um ponto de arrecadação. Arrecadamos muitos agasalhos e cobertores. Foi preciso fazer duas viagens levando tudo. Carregando malas, sacolas e mais sacolas, levamos as doações até a sede do SJMR e conhecemos o importante trabalho que desenvolvem. Lá, ficaram admirados também com a quantidade de arrecadações e com a desenvoltura das crianças.
Para a ação “Pesquisa sobre mobilidade”, estruturamos juntos(as) três perguntas que seriam mandadas num formulário para cada família, pensando e propondo a reflexão em relação à mobilidade urbana. Como cada família fazia para ir para a escola? Quarenta e quatro pessoas responderam o formulário. Apesar desse número pequeno, deu para ter uma amostragem de como as famílias se deslocam até a escola. Metade das pessoas que responderam, vão de carro próprio para a escola. O que leva para a segunda pergunta que era como diminuir o uso de automóveis. Nas respostas, muitas pessoas sugeriram ter maneiras alternativas de carona. Ficamos animados e já pensando como fazer essa ideia ir para frente no ano que vem, já na sede nova. Escrevemos juntos(as) um texto refletindo sobre o gráfico das respostas e as sugestões. Esse texto será publicado no jornal da escola e enviado também por e-mail.
Finalmente, tivemos a ação “Reciclagem”, que foi a mais desafiadora. A proposta inicial era fazer uma campanha de reciclagem de algum material que não fosse tão comum ser reciclado, como plástico ou tampinha de garrafa. Essa chapa propôs o isopor. Lá fui eu procurar locais que reciclem isopor em Porto Alegre. Encontrei apenas uma empresa em Santa Catarina. Então, mudamos os planos e pensamos em fazer a reciclagem de blister (cartelas de remédios), outro material de difícil reciclagem. Também não encontramos qualquer empresa ou cooperativa na cidade que fizesse esse serviço. Meio frustrados com a proposta que não aconteceu como esperávamos, escrevemos então uma carta-manifesto. Enviaremos essa carta a alguns vereadores, indagando sobre aonde vai parar esse material dentro da nossa cidade e cobrando alguma resolução para esse problema. A carta foi escrita coletivamente e também vai ser publicada no jornal da escola.
Percebi que ali estávamos exercendo a cidadania, no seu sentido mais ativo possível. Agindo no entorno da escola, criando redes de apoio e cobrando de nossos representantes uma atitude. Essas crianças de 9 e 10 anos estavam exercendo a sua cidadania de uma maneira que eu, no alto dos meus 35, nunca havia exercido antes. O construtivismo fazendo sentido e eu aprendendo/fazendo com eles(as).
Quando fomos avaliar as ações que tínhamos realizado, perguntei, no meio da conversa, o que eles(as) haviam aprendido com essa experiência. Uma resposta me pegou em cheio e fez meu coração explodir de felicidade. Uma das crianças falou algo parecido com isso: “Aprendi que as pequenas coisas fazem grande diferença”. Aquela carinha, aquela expressão de olhinhos brilhando que ficara gravada na minha memória, agora, enquanto avaliávamos juntos(as) o que havíamos aprendido, era a minha. Eram os meus olhinhos que brilhavam de esperança por essa geração que já nasceu com a urgência de futuro. Foi bonito.
No último trimestre letivo será a vez da segunda chapa: “Animada-mente”. Já estou preparando meu coração.
P.S.: Aproveito a oportunidade para agradecer a toda a comunidade escolar, que assinou o abaixo-assinado para o “Amazônia de pé” e que doou agasalhos e cobertores no momento mais frio do inverno para o SJMR (serviço de acolhimento à migrantes e refugiados). Agradeço também a quem respondeu as questões sobre mobilidade urbana, nos ajudando a ter novas ideias. Esse engajamento da comunidade escolar também dá uma baita esperança. Uma esperança no coletivo. Obrigado.
(*) Professor de Teatro da Escola Projeto e Coordenador do trabalho junto ao Grêmio Estudantil.