Laura Castilhos (*)
Ser a artista visual convidada da Escola Projeto, neste 2022, ano em que a escola comemora seu 34º aniversário, é uma alegria que não cabe no bolso. Além de mim, como artista visual, participam dos projetos do ano que estudam artistas, e já ocorrem há muitos anos, a escritora Gláucia de Souza, amiga e colega de coletivo de literatura Seis+1, e os músicos Bethy Krieger e Luizinho Santos, de grande destaque no cenário musical de Porto Alegre, do conhecido Café Fon Fon.
Minha proximidade com a escola vem de longe: o primeiro livro que ilustrei, Poesia Fora da Estante, foi a convite da editora-chefe da Editora Projeto, Annete Baldi, em 1995. A pequena casa editorial funcionava no mesmo pátio da unidade localizada na rua Paulino Teixeira. Lembro de trilhar pelo pátio, até chegar na sala da Annete, ouvindo aquele barulhinho bom de crianças conversando, jogando sapata, mexendo na terra, correndo. Até então desconhecia esta dobradinha: escola e editora juntas num projeto educativo e cultural. De cara, me chamou a atenção a relevância das imagens nas edições muito cuidadas dos livros ali editados.
De 1995 aos dias de hoje, contabilizo dez livros que ilustrei para a Projeto, o mais recente, encontrase no prelo, ABC do achou para bebês. Em todas as publicações as ilustrações têm um duplo destaque: quer seja pelos profissionais encarregados das suas criações, artistas visuais e designers qualificados, como pelo cuidado com a impressão da imagem, principalmente no que diz respeito à paleta de cores e as especificações do papel.
Como sabemos, os livros para infância e juventude contam com um primoroso projeto gráfico e textos de qualidade. Na maioria das vezes valorizam a ilustração, possibilitando a alfabetização visual das crianças desde os primórdios, na escola – e as famílias também têm um papel importante na introdução dos livros aos seus filhos – e pela vida toda. Pouco se fala em alfabetização visual, termo utilizado por Donis A. Dondis** , e sua importância na escolarização da criança. De outro lado, enfatiza-se, e muito, a aquisição da linguagem escrita, ou seja, das letras, palavras, ortografia, gramática e sintaxe. Qual o pai ou a mãe que não se gaba ao afirmar que sua criança já lê e escreve?
E quanto à linguagem visual, ela não deveria ser apreendida, ensinada? De acordo com Dondis, “o alfabetismo visual deve operar, de alguma maneira, como a comunicação visual, pois seus objetivos são os mesmos que motivaram o desenvolvimento da linguagem escrita: construir um sistema básico para a aprendizagem, a identificação, a criação e a compreensão de mensagens visuais acessíveis a todas as pessoas, e não apenas àquelas que foram especialmente treinadas, como projetista, o artista, o artesão e o esteta”.
Vale lembrar que a linguagem gráfico-plástica de suas crianças se desenvolverá na medida que elas experimentarem distintas práticas artísticas que lhes são oferecidas em um local apropriado, como, por exemplo, no Atelier de Artes da Escola Projeto. São elas: desenho, pintura, modelagem, gravura e fotografia, entre outras. E isso passa ao largo daquilo que comumente chamamos de dotação: crianças que têm o dom ou dote artístico.
Além do fazer artístico, de grande importância é a leitura visual. Ela pode ser apreendida e desenvolvida através das boas práticas educacionais, através da leitura de livros ilustrados de qualidade, como aqueles acessíveis na Biblioteca Lygia Bojunga. E, de acordo com a escritora e ilustradora Kveta Pacovska (Tchecoslováquia 1928): “As imagens de um livro infantil são a primeira galeria que as crianças visitam”.
Por fim, quero contar um pouco de como foi minha experiência com alunos e alunas em seus primeiros dez anos de vida, ocorrida entre agosto e setembro deste ano. Nos seis turnos em que estive na escola propus duas linguagens artísticas, as quais eu pratico como artista visual e ilustradora e como professora do Curso de Artes Visuais da UFRGS. Iniciamos com a Aquarela. Até os pequeninos, de 1 a 3 anos, colocaram a mão na massa (usando às vezes o pincel, outras as pequenas mãos).
A aquarela, por conter um dos princípios da vida, a água, é uma atividade que tende a ser lúdica, principalmente quando molhamos o papel e deixamos as formas virem à tona. Quanta surpresa! Mas também podemos utilizá-la de modo tradicional, reduzindo a quantidade de água.
As crianças exploraram a criação de misturas cromáticas e se admiraram com os efeitos de transparência desse material.
A proposta seguinte foi a realização dos Minilivros, a partir da dobradura de uma folha de papel. Um turbilhão de histórias passou a existir, de gêneros muito distintos: diários, histórias fantásticas, contos… Vale ressaltar que até mesmo as crianças do 1º ano confeccionaram seus fanzines sem dificuldade.
A produção realizada pelos(as) alunos(as) nas oficinas por mim propostas, se somou àquelas atividades desenvolvidas pelos(as) professores(as) para a Mostra de Arte da escola, que ocorreu no dia 17 de setembro. Foi emocionante acompanhar as crianças e seus familiares ao adentrarem as salas expositivas (originalmente salas de aulas), as quais continham uma diversidade interessantíssima. E que ricos os trabalhos! Alguns dialogavam com a música, com a fotografia, com o cinema, provando o quanto as artes visuais transitam entre outras áreas artísticas na contemporaneidade.
Agradeço à Escola Projeto, por este convite e pela oportunidade de vivenciar seu projeto educativo, no qual a arte, em suas infinitas possibilidades, tem papel de destaque.
(*) Docente no Instituto de Artes da UFRGS, ilustradora e artista visual. (**) DONDIS, Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.