Amanda M. Rodrigues (*)
Recentemente tive a oportunidade de realizar uma viagem de estudos para Barcelona, Espanha, para conhecer escolas inovadoras e, consequentemente, continuar o movimento dialético de analisar a minha própria prática e pensar novas (re)formas de fazer. Foram 7 dias de imersão e muitos aprendizados (1).
A principal pergunta que estava na minha cabeça, antes da observação das escolas, era: inovação em que sentido?
De forma geral, quando pensamos em inovação da educação, uma chuva de plataformas gameficadas para fazer com que crianças se interessem por matemática e leitura acabam vindo à mente. Salas digitais, metodologias que colocam o aprendente no centro do processo e diversos aplicativos para facilitar (será?) a vida do docente, também ilustram esse imaginativo de inovação. Mas é isso, imaginativo. Sem objetivos claros, a inovação na educação não sai do espaço da imaginação. A imaginação e o sonho são pontos importantes desse caminho, mas é preciso viabilizá-los.
Foi o que pude aprender e observar nas escolas visitadas (2), nos encontros com o professor Zabala (3) e também com as(os) gestoras(es) das escolas do Brasil que estavam no grupo (4), confirmando que a imaginação e o sonho foram o pontapé inicial de uma efetiva mudança ocorrida na educação daquele país, o primeiro ponto para iniciarem a caminhada de inovação até onde queriam chegar.
As escolas visitadas lá, que se propuseram a entrar no movimento de inovação, estavam incomodadas com o fato de uma única prova comprometer todo o sistema de ensino: o vestibular. Partiram daí. Conseguiram, através de estudos e lutas, propor que a prova do vestibular também fosse “competencial”, isto é, abrangesse não só conceitos, mas também competências para vida.
Pensando por essa “mirada”, faz todo o sentido. Como sistema de educação brasileiro, por muito tempo, acabamos comprometendo toda a infância e adolescência de milhões de sujeitos, ensinando somente a passar em uma prova. Graças à “pulga atrás da orelha” de muita gente fantástica que dedicou a sua vida para modificar a sociedade (obrigada Paulo Freire, Florestan Fernandes, Demerval Saviani e Rita Segato, dentre outros), esse modo de funcionamento está em xeque. Cada vez mais surgem escolas construtivistas que estão realmente empenhadas em oferecer uma formação diferenciada, considerando as necessidades e possibilidades do sujeito como um todo. Para além das operações matemáticas, estudos da Língua Portuguesa e Ciências da Natureza, o papel hoje da escola é propiciar uma formação de cidadão ativo, reflexivo, modificador do meio e produtor de culturas.
Não é para demonizar o vestibular e o acesso à universidade que venho aqui. É para questionar se, como sociedade, gostaríamos que 200 dias por ano da vida de nossas crianças e jovens sejam majoritariamente voltados para uma única prova. Foi justamente esse o ponto que o sistema educativo da Espanha atacou. A partir dessa modificação, as escolas tiveram mais autonomia para pensar novas formas de agir, especialmente na elaboração de seus currículos, tendo como consultor o professor Antoni Zabala.
Voltando para as tecnologias e sua relação com a inovação, compartilho uma síntese do que observei: a tecnologia como ferramenta de educação não era uma questão de inserção nas escolas observadas, pois já estava consolidada. A partir de então, passam a pensar em desenvolver competências para vida, o que supõe encarar o mundo como ele é e entregar sujeitos que possam atuar de maneira crítica nele, no caso, um mundo que, sim, é tecnológico. Porém, é preciso questionar e estudar, como já vêm fazendo diversos(as) autores(as), incluindo Juana Sancho Gil (5), refletindo sobre quais tecnologias são interessantes para a educação. Juana, por exemplo, fala em evitarmos as que chama de “preguiçosas”, tais como redes sociais, streamings, jogos etc.
As escolas observadas estão no ponto de encontrar um equilíbrio nessa questão. Assim, como em toda decisão que uma escola deve tomar, prós e contras devem ser colocados na balança. O ponto é que essas escolas têm ciência do mundo tecnológico em que estamos inseridos(as), o qual não pode ser excluído. Mas também sabem que há muito mais a ser sonhado e construído.
Acredito que, para compartilhar todo o aprendizado que tive nesses dias, precisaria de um espaço muito maior, porém o principal aspecto que gostaria de deixar registrado é que nenhuma das escolas observadas está no “ponto perfeito” (se é que ele existe) e que a nossa querida Projeto também está nesse processo. Aliás, a parte mais gratificante dessa experiência foi enxergar convergências no trabalho que realizamos aqui na Projeto com o trabalho feito lá. Agora (e sempre!), a pergunta que fica é: qual é o nosso próximo passo para seguir nessa caminhada de inovação, sem deixar de garantir uma formação integral, crítica e consistente?
(*) Professora do 3º ano da Escola Projeto.
(1) A viagem aconteceu de 8 a 15 de outubro, e foi organizada pelo Centro de Formação da Vila/SP, com o foco: “Inovação curricular: tendências e mudanças”.
(2) As escolas de Barcelona observadas foram: Thau, Garbí Pere Vergés, Virolai e Sadako.
(3) Antoni Zabala é diretor do Instituto de Recursos e Investigação para a Formação (IRIF), diretor do Campus Virtual de Educação da Universidade de Barcelona e professor dos Institutos de Ciências da Educação da Universidade de Barcelona e da Universidade Autônoma de Barcelona. Seu trabalho de pesquisa e publicação concentra-se na didática geral e específica. É autor de dezenas de artigos e livros, dentre eles Como aprender e ensinar competências, em pareceria com Laia Arnau.
(4) Escolas do Grupo Bahema Educação: do Rio de Janeiro (Centro Educacional Viva, Escola Parque e Fórum Cultural/Niterói), de São Paulo (Colégio BIS, Escola da Vila, Escola Mais, Escola Viva e Intergraus), de Santa Catarina (EIU Blumenau, EIU Florianópolis, Escola Autonomia), de Minas Gerais (Escola Balão Vermelho/BH) e Pernambuco (Colégio Apoio).
(5) Juana Sancho Gil, licenciada e doutora em Psicologia, é professora de Tecnologias Educativas na Universidade de Barcelona, na Espanha, e coordenadora do grupo de investigação consolidado ESBRINA.