Fabiana Sasi (*)
Porto Alegre, 15 de outubro de 2023.
Pode parecer meio fora de moda escrever cartas. Mas eu gosto muito delas e escrevi muitas ao longo da vida. Gosto, sobretudo, das cartas de amor. E acredito não haver momentos mais propícios para se falar de amor do que os de celebração, dias festivos, início de novos ciclos… O mês de outubro está conjugando tudo isso aqui na Projeto. Dia das crianças, dia dos professores e professoras, dia dos funcionários e funcionárias de escola, show que fala de SONHO com Vitor Ramil, dia da família, lançamento de nova marca, dia de todas as pessoas que aqui têm a missão de educar e construir… Eu resolvi escrever porque também tinha certeza que não conseguiria falar sem transbordar. Acredito que a escrita há de ser em meio às lágrimas e espero que saia dos meus olhos o que de melhor podemos cultivar no interior de nossos corpos: um mar de água, sal e amor.
A ideia aqui não é falar apenas por mim, mas representando um coletivo de mães e pais que são contemplados com educação e cuidados irrestritos num dos períodos mais desafiadores na existência de uma pessoa: a infância. E como é importante estar nesse chão, nesse lugar de crescimento, descobertas e trocas, no “espaço em que o conhecimento, o respeito, a escuta, o olhar, o acolhimento, o diálogo e o cuidado são ingredientes determinantes para proporcionar segurança e desenvolvimento integral a cada criança”. Essa definição da escola é recente e retirada do texto construído em parceria pela Neca, Deborah e Déia para o blog da Projeto. Como muito do que é feito aqui: juntando mente, mão e coração de muitas gentes. “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Essa frase também não é minha é do patrono da educação brasileira. É ele, Paulo Freire, que diz mais: “Não se pode falar de educação sem amor.” E é impossível não reconhecer os esforços que cada um e cada uma de vocês realizam para permanecer sendo educadoras e educadores amorosos. A trajetória de luta para fazer com consistência e constância um caminho que não está formatado, que não tem manual… a jornada de trabalho por vezes exaustiva… das incertezas que permeiam os dias frente à administração das finanças… do deixar de ser para si e para suas famílias para estar e cuidar do que é dos outros, nossos filhos e filhas. Todos os dias agradecemos por vocês permanecerem dizendo um “sim” para a educação, a cada despertar, apesar das adversidades.
Temos refletido muito sobre os desafios das relações humanas. Se durante a pandemia convivemos em demasia e de maneira intensa com nossos núcleos familiares, nesta pós-pandemia, estamos reaprendendo a viver juntos. Conviver é um processo que implica escolhas permanentes. É perdoar muitas vezes, conversar outras tantas, abraçar, ter raiva mais uma vez e, mesmo assim, seguir. E como exige esforço o convívio, como é difícil não reproduzir padrões de relacionamentos pré-estabelecidos e tão enraizados na nossa sociedade. E vocês lidam com isso diariamente há anos, né? Como exige esforço atuar como alguém responsável por zelar pela integridade física e emocional destas crianças num espaço onde também se permita desenvolver autonomia, se estimule o brincar e a liberdade de se descobrir tendo como pilar do RESPEITO. Diversas vezes muitos de nós, mães e pais, observaram e/ou conviveram um pouco com as crianças em algum espaço da escola… e quantos conflitos precisaram ser administrados num curto espaço de tempo? Imaginem no turno completo de atividades! Imaginem quantos ao longo de um ano letivo inteiro! Como bem disse o Ernesto Fagundes no encontro com o artista promovido pela escola há poucos dias: “vocês são uns abençoados e abençoadas”. Percebam o quanto vocês são importantes para a formação do que constitui o humano nessas crianças quando estão por perto para ajudá-las a gerenciar suas emoções. E o quanto podem ensinar sobre empatia, respeito e reciprocidade nesse contexto. E assim, no chão da escola, nossos filhos e filhas também aprendem que AMAR não é uma emoção individual, mas coletiva, que pode envolver muitas pessoas, uma comunidade. E somos gratas e gratos a toda a COMUNIDADE ESCOLAR, ao porteiro, ao pessoal da cantina, à direção, às preciosas auxiliares de limpeza, aos seguranças, ao pessoal das coordenações pedagógicas, à psicóloga, ao pessoal da monitoria, dos estágios docentes, aos contratados para manutenção… Todas e todos que fazem parte desse espaço são também educadores e educandos. Porque educação não é só ensinar conteúdos e regras, vai muito além. É enxergar a humanidade de cada um. Que todos têm potencial para aprender e também ensinar. Esse é o papel social da escola.
E não pode estar dissociado do AMOR. Porque o AMOR é TRANSFOMAdor.
Que a fortaleza interior dos nossos filhos e filhas siga sendo construída nesse chão da infância. Que tenhamos tempo de contemplação e paciência para vê-los florescer vivendo plenamente o direito a ser criança. Que possamos como mães e pais nos conectar com essa criança que nos habita e com essas crianças que nos circundam sempre de maneira amorosa e com bondade. Agradecemos aos nossos filhos e filhas por nos ajudarem a construir essa proximidade, o que nos permite formar uma comunidade, e que possamos seguir sendo.
Muito obrigada por irem além do que é considerado tradicional, por suportarem os desafios e, sobretudo, pela relação de amor e cuidado.
Finalizo fazendo uma alusão à poesia musical de Belchior: que amar e mudar as coisas seja sempre nosso real interesse.
Beijos carinhosos
Fabiana, em nome do NAMP (Núcleo Antirracista e Multicultural da Escola Projeto).
(*) Mãe de aluno da escola, participante ativa do NAMP, radialista, cozinheira, escritora e aluna de jornalismo na UFRGS.