Cristine Zancani (*)
Quando cursei a cadeira de literatura infantojuvenil na faculdade de Letras, uma das primeiras frases que ficou em mim foi: a literatura infantil se define pelo seu destinatário. Se essa era uma especificidade dos livros para infância, essa também era/é uma limitação ao alcance dessas obras por leitoras e leitores de todas as idades.
Quem se distancia da infância, seja por não conviver com crianças, seja por não acessar as produções culturais endereçadas para esse público, não raramente lê o adjetivo “infantil” como pejorativo. Para essas pessoas, se é infantil, é bobo, pouco profundo, pouco elaborado, ou simplesmente incapaz de ter o que dizer para adultos.
Quem convive com crianças e/ou com produções culturais para a infância, no entanto, sabe o quão equivocada é essa visão. As obras literárias para crianças, quando escritas por alguém que, além de trabalhar esteticamente a linguagem, conhece o modo através do qual o pensamento infantil opera, são grandes livros (que se dirigem a leitores grandes – de todos os tamanhos). Livros que exploram o flerte do olhar das crianças com a filosofia e a poesia, bem como a capacidade que elas têm de transitar livremente entre a fantasia e o real. A grandeza dessas obras se manifesta em texto e em imagem.
E as imagens são outra peculiaridade dos livros para crianças: a história ser contada em diálogo com a ilustração, o que exige uma leitura dupla, uma leitura que costura sentidos. As ilustrações transformam muitos livros para a infância em obras de arte, que podem morar nas nossas estantes. Quem aprecia a arte visual tem motivos de sobra para consumir a literatura infantil.
Voltando para a pergunta que nomeia o texto, após essa introdução, a resposta fica evidente: os livros infantis são leituras para todas as idades, sim!
Então, este texto é um convite para que você, que é leitora/leitor adulta/adulto, ao transitar pelas livrarias (principalmente as que têm curadoria especializada em leituras para infância), demore-se no espaço destinado aos livros para crianças. Conheça autores, ilustradores e temáticas. Observar as temáticas predominantes é uma leitura da atualidade e de nosso projeto social de futuro. Na área infantil, escolha presentes não só para crianças, mas para adultos. Além disso, vá sonhando ou formando seu acervo.
O convite para professoras e professores de área é o seguinte: já pensaram em realizar leituras compartilhadas de obras para infância, que dialoguem com as temáticas exploradas pelas leituras “crescidas” escolhidas no semestre? Misture destinatários diversos no cardápio de leitura. Surpreenda com essa mistura, inclusive a si mesma/mesmo.
Para quem realiza saraus, a questão é: já pensou em ler a literatura infantil em meio às leituras adultas? Quem realiza saraus literários divulga autores e obras. Divulgar a literatura para infância, além de ser importante pelo fato de termos produções maravilhosas, revela o reconhecimento de uma dívida com autoras/autores de livros para crianças: são elas/eles que, geralmente, formam o público leitor de literatura.
Na “mala.monstro”, projeto de formação de leitores literários, criado em parceria com uma amiga, nós desconsideramos, por princípio e intencionalidade, a faixa etária indicativa das obras. Muitas vezes, compartilhamos leituras endereçadas para pequenos com pequenos já bem mais crescidos. As discussões sobre as obras só se alargam, porque está na entrelinha dos textos essa capacidade de expansão. Aliás, muito importante mencionar: nas melhores obras para a infância, está o desejo de transformação do mundo. Também por isso não devemos abandonar essas obras, nem esse desejo. Que esse desejo se liberte da indicação etária e que se espalhe cada vez mais, fazendo leitoras e leitores de todas as idades refletirem a partir da ótica peculiar da infância. Temos muito a crescer olhando para o acervo infantil: se não pelos motivos apresentados aqui, simplesmente porque temos muito a crescer olhando para a infância com o respeito que ela merece.
(*) Mãe de ex-aluna da Escola Projeto, Doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e uma das coordenadoras da oficina “Mala.monstro/Viagens literárias”, que acontece na Projeto, semanalmente, no contraturno.