Um convite. Sejamos francos(as).
Os últimos tempos têm sido sombrios para a educação. Muito se tem falado, debatido, discutido e até brigado em nome de algo que parece cair como uma bomba em nossas cabeças: afinal, qual é o papel da escola e da educação? O que cabe à escola e o que seria especificamente tarefa da família? Como fazer essa separação pensando no sujeito como um ser inteiro, como um ser pensante, como um indivíduo que tem dúvidas e que busca resolvê-las nos espaços que lhes convidam a conversar?
Então, sejamos sinceros e sinceras.
Esse espaço aberto à conversação é a família? Levanta a mão quem tem conseguido, nos tempos atuais mais do que nunca, conversar aberta e tranquilamente com a família, sem ouvir coisas como: ah, não, esse assunto novamente? Ou então, depois conversamos, tá bem? Ou ainda, aqui dentro esse assunto não vai ser discutido. E mais, de onde saiu essa conversa agora? Isso não é coisa para ser falada com gente da tua idade. Só pode ter aprendido na escola!
E lá vai a escola receber a culpa pela conversa que a família não consegue levar adiante, pela pergunta que não cabe no modo de responder da família. Mais uma vez, está a escola no banco dos réus, sendo julgada não pelo que é, mas que não pode fazer, pelo que não pode dizer.
Tá, mas se vivemos em tempos sombrios, sendo acusados e acusadas constantemente pela nossa (in)eficiência, pela nossa (in)competência, pela nossa (in)completude, o que é a escola, ou, o que pode ser a escola, para além desse espaço tão julgado e tão acusado, que nos mantém nela por tanto tempo e que muitas vezes choramos ao ter que deixá-la quando finalizamos cada etapa de escolaridade? Que lugar é esse que guarda as melhores (e, por vezes, também as piores) lembranças da nossa vida? Do que tem sido tão acusada, afinal? De doutrinação? De converter o pensamento?
Agora sejamos honestos(as).
Conversar, ouvir, perguntar e buscar respostas para as nossas questões mais complexas, mesmo que, por vezes, o que ouvimos pode ser diferente do que nossas famílias pensam ou pregam – até porque nem sempre nossos pais ou mães se sentem em condições de conversar sobre o que lhes foi negado quando eram jovens – é um modo de doutrinação? O que buscamos com a educação? Alinhar pensamentos? Seguir modos de pensar sempre iguais, andar pelos mesmos caminhos, ser rebanho atrás de seus pastores? Para quê? O que ganhamos com isso? O que levamos de uma vida que não é vivida em suas diferenças e percepções?
Honestamente? Uma vida sem vida. Uma vida que não se pergunta, não se modifica, não se rebela, não acontece.
Enquanto isso, temos um batalhão de pessoas afoitas, sedentas, querendo descobrir o mundo, a vida, a si mesmas. A escola não pode silenciar. Ela não é espaço para isso, menos ainda neste momento, não na contemporaneidade. É na escola que se dá o encontro com o pensamento que pensa diferente, com a pergunta que ainda não foi feita, com a vontade de levar adiante a conversa aquela que não ganhou espaço em casa. É na escola o lugar de ouvir as diferentes vozes, as opiniões e ensinamentos diversos. Querem nos tirar isso? Por quê? Para quê?
Eu defendo “uma” escola sem partido e, de modo algum “a” escola sem partido, o que faz toda a diferença. O “uma” aqui não é mero artigo feminino indefinido, ele é a marca não identitária, é aquilo que diz respeito a uma, a qualquer, a todas, não importa. Porque é nessa uma ou qualquer escola que a criança, por exemplo, vai pedir ajuda para entender como uma colega tem duas mães e outra tem um pai e uma mãe, enquanto ela tem apenas uma mãe. É em uma ou qualquer escola que a criança vai conviver com o colega com paralisia cerebral, cadeirante e aprender a se comunicar com ele, a correr com ele, a ser feliz com ele. É ainda nessa uma escola que o jovem vai encontrar pessoas que se relacionam com sexos opostos ou com o mesmo sexo, e vai entender que o que importa é que cada uma dessas pessoas está buscando ser feliz, neste mundo tão preconceituoso e segregador. É nessa uma escola que adultos e crianças de etnias, credos e culturas tão diversas conviverão juntos(as), ampliando o pequeno mundo da família e as monoculturas que por vezes habitam nela, deixando aparecer o grande e importante mundo que é a escola, com suas múltiplas cores e saberes (quem sabe, sabores).
Deixemos que a pergunta venha, façamos da dúvida a nossa matéria de ensinar e aprender. Não há doutrinação em trazer a vida para ser conversada na escola. A escola não quer e nem vai tirar jamais o lugar de educar da família, isso está garantido. O que a escola pode fazer é justamente colocar as sabedorias familiares em conversa, gerar novas e outras sabedorias, misturá-las, quem sabe, para ver fluir ali, em meio a tantos e tantos saberes, outros modos de estarmos juntos e juntas e de termos sim, o nosso partido: o do amor, do afeto, o da (con)vivência, por vezes tão faltante em nossos dias.
Essa é a minha bandeira, qual é a sua?
(*) Coordenadora pedagógica geral da Escola Projeto.