Celso Gutfreind (2)
O Winnicott, psicanalista com a benção da poesia, apostou todas as fichas no começo. Para ele, tudo começava em casa para nós. Na mãe, e os olhares deviam se dirigir a ela, guardiã do olhar decisivo e duradouro. Antes o Freud, outro cientista meio poeta, havia dado ao pai o direito de salvaguardar a mãe. Já não era pouco, mesmo se ela fosse muito, senão tudo. Depois, Lacan, outro cientista poético, assegurou o dever desse pai de garantir o terceiro, o nome da lei como quem dissesse que os protagonistas precisam dos coadjuvantes e, na grande casa, todas as portas importam.
Cientistas e poetas felizmente vêm se sucedendo. Eles revisam versos e ideias. Não estão apartados da cultura sempre em movimento. Hoje as mulheres adentraram o mercado de trabalho. Elas rompem tabus, preconceitos, exclusões. Felizmente. Produzem mais, criam mais (além dos filhos), obtém melhores salários e reconhecimento. Somam, multiplicam, contraem também mais infarto, estresse, câncer de pulmão infelizmente, mas a morte é da vida, e o saldo é muito bom. As mulheres estão mais paternais sem perder maternidade e feminilidade.
Já os homens não sabem o que fazer. O que fazer senão seguir fazendo até tranquilizar-se de que, no encontro entre as pessoas, espaços não se perdem, mas se somam… É possível seguir trabalhando, produzindo e também maternar. Quanto mais gente, melhor e vale muito a rede, o grupo. Os homens, afinal, estão mais maternos. Tudo então se reorganiza com sentimentos mais complexos sem tirar a razão de Winnicott, Freud, Lacan e de novos cientistas-artistas como Le Camus que publicou um tratado sobre as novas e complexas funções de um pai e são tantas, embora Drummond as tenha resumido já na mãe: amar.
Cronista dá também o seu pitaco e aponta para a hora agá. Não tenho estofo para explorar as causas. Podem vir do ventre, da placenta, do leite, do mais profundo mistério, mas, quando a coisa aperta, a mãe decide. Para ela, voltam-se o olhar, o gesto, o toque, as palavras ou simplesmente as lembranças. Mãe é o berço e o ferrolho, a base e o fundamento. Mora nela o começo, a continuidade, o retorno, mas sem idílio, porque estar a dois seria tão enlouquecedor quanto estar sozinho, senão mais. Portanto, mães, humildade e clemência. Parabéns pelo poder, mas não se deve abusar. Ainda conta muito a humildade de acolher um pai.
(1) Do livro Crônica dos Afetos – a Psicanálise no Cotidiano, Ed. Artmed, 2016.
(2) Psicanalista e escritor, pai de ex-aluna e colaborador deste blog. Sua publicação mais recente é A arte de tratar – por uma psicanálise estética (Artmed, 2018).
Ilustração: Margherita Paoletti