Beth Baldi (1)
Atenção ao 3º sinal! Luzes, ação! Começa mais uma aula! Todos a postos e feliz dia a todos os professores!
Em mais de uma ocasião, nos últimos tempos, fui levada a estabelecer relações entre o teatro e a escola e entre o ator e o professor, o que me pareceu enriquecedor para pensarmos na docência, nós que estamos envolvidos com ela como professores ou professoras, como pais ou mães, como alunos ou alunas, como coordenadores(as) ou diretores(as). A propósito, você já pensou nisso, no que podem ter em comum esses dois universos e essas duas atividades?
As provocações vieram de textos lidos e de falas ouvidas: do poema A Vida na Hora, de Wislawa Szymborska (2), sobre o qual escrevi aqui mesmo neste blog, há 2 anos atrás (http://escolaprojeto.g12.br/blog/2017/10/19/da-aventura-de-ser-professor/), de um curso (3) e de um livro (4) do espanhol Jorge Larrosa, bem como de uma fala da atriz Nathalia Timberg (5). E me fizeram considerar algumas semelhanças: o desafio e o sonho de transformação como sentido, o poder e a responsabilidade como implicações e o trabalho coletivo como meio.
A fala da atriz, por exemplo, começa com um relato sobre perguntas dos próprios profissionais da área, seus professores, ao chegar no exterior para estudar teatro. Ela conta que eles lhe perguntavam, incrédulos:Tem certeza que você vai estudar teatro? Será que você quer mesmo seguir essa carreira? Sabe bem o que é? O quanto é difícil, sacrificada e exigente? Você não para nunca de estudar!
Se você é professor ou professora, certamente essas perguntas lhe são familiares. Em algum momento, enquanto estudava ou se decidia pela profissão, ouviu de algum amigo ou familiar esse tipo de questionamento.
Mas será que você, ainda que mais jovem que a atriz, hoje com 90 anos, consegue dizer que é justamente a necessidade de estudar e de vivenciar constantes desafios o que torna sua profissão maravilhosa? É capaz de perceber que adaptar um autor ou uma determinada obra ao seu público, por exemplo, para que este o(a) entenda e com ele(a) possa interagir, é uma grande exigência, sim, mas vale à pena, porque faz você chegar nas pessoas?
Como o ator ou a atriz com seu público, o que quer um professor ou professora em relação aos seus alunos e alunas é que eles(as) lhe acreditem e que, assim, possam se aproximar deles(as), levando-lhes conhecimentos e provocando perguntas, assim como despertando-lhes emoções, desejos, sonhos e consciência.
Sim, porque para a atriz, o teatro é “uma tribuna onde melhor se discute o homem e a sociedade” e também “o sonho em estado de vigília”, o que pode nos fazer pensar que a sala de aula e a escola, da mesma forma, seriam “lugares sagrados” de estudos, de discussões e de construção de sonhos, como, aliás, nos traz Larrosa.
Também diz o autor, refletindo à luz do texto de Hannah Arendt, que “O professor ama o mundo e se faz responsável por ele e por sua transmissão aos que estão por vir. Uma vez que a escola transforma o mundo em matéria de estudo, o professor ama sua matéria e ama o estudo de sua matéria. (…) Sua tarefa consiste, precisamente, em transformá-los [os novos] em estudantes, em fazer com que eles se interessem também por essa matéria que ele ama e em conseguir que a pratiquem, que se exercitem nela, que se introduzam nela. (…) Ao transmitir a matéria que ama, e precisamente porque a ama, o professor torna possível sua renovação. Ao transmitir o mundo, a escola faz com que possa ser renovado” (págs.229 e 230).
Assim, é interessante pensar que bons professores ou professoras – esses que amam “suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens” (6) -, do mesmo modo que bons atores ou atrizes, têm poder de tocar, de mexer com emoções, de transformar. E desse poder é preciso ter consciência, pois ele implica grande responsabilidade e compromisso.
De fato, lidar com tudo isso não é para qualquer um, ou melhor, não é para um ou outro sozinhos… Além da busca constante de qualificação e da forte convicção sobre o valor de seu trabalho, os profissionais tanto do teatro como da escola precisam atuar com o outro, no coletivo e cooperativamente. Desse modo, a força se multiplica, as energias se renovam e se espalham entre iguais e diferentes, as inteligências e sensibilidades se juntam e, frequentemente, se chega a resultados positivamente surpreendentes.
(1) Diretora pedagógica da Escola Projeto.
(2) Do livro Wislawa Szymborska [poemas], Cia das Letras, 2011.
(3) Curso intitulado “A escola e o museu, o professor e o mediador”, realizado na Fundação Iberê Camargo, de 9 a 11/10/2018.
(4) Livro Esperando não se sabe o quê: sobre o ofício de professor, Editora Autêntica, 2018.
(5) Dia 21/3/2019, Salão de Atos da PUCRS, na véspera da estreia do documentário cênico “Através de Íris”, no Teatro São Pedro.
(6) Trecho do texto de Hannah Arendt, A crise da educação.