Andréa Paim e Deborah Fischer (*)
Que horas são, pergunto a uma criança de 3 anos que havia me mostrado que estava de relógio. Ela me responde que não sabe ver as horas. Eu encorajo, digo que deve ter uma maneira dela ler as horas. Ela olha novamente para o relógio, enruga a testa, força o olhar e diz: – 3-6-9, os números que reconhece do relógio analógico. Mas já?! Eu me mostro satisfeita e preocupada pelo tempo ter passado tão rápido, e sigo com minhas tarefas para não me atrasar.
Momento de lavar as mãos, conversa vai e vem. Assuntos variados. Estou ali, disponível para qualquer coisa, e percebo que as crianças sabem disso. Uma menina de 4 anos, interessada pela minha altura (que não é lá grande coisa), pergunta quantos anos eu tenho. Respondo e ela fica pensando. Seca as mãos, me olha novamente e diz: – Não pode. Meu pai tem “menos anos do que tu” e é bem maior! A conversa segue e ela compartilha comigo que as pessoas fazem aniversário e vão crescendo, “mas tem umas que crescem bem mais do que as outras”. Nos despedimos e combinamos de trazer uma fita métrica para medir as alturas e comparar com as idades.
Situações como essas habitam a educação infantil a todo momento. No entanto, na correria do dia-a-dia, nem sempre conseguimos observá-las, escutá-las, percebê-las. As crianças nos convocam a pensar a matemática de jeitos, por vezes, bastante diferentes do que a escola estaria “acostumada” a pensar. Sabem por quê? Porque elas colocam a matemática a serviço da vida, elas “leem” o mundo dos números e das relações numéricas com as ferramentas que possuem, com a sua capacidade de dar sentido ao que vivenciam. Cabe à escola, a partir daí, perguntar, criar estratégias, desafiar a pensar com essas ideias incríveis, percebendo a lógica infantil aí envolvida e ajudando a ampliar a sua compreensão de mundo.
Inúmeras outras situações poderiam ser trazidas para pensar o lugar da matemática na educação infantil. Por exemplo, numa situação de parque, em uma brincadeira com água, em que a criança experimenta o transvasamento de líquidos, ela se envolve em pensar o que cabe no balde, como fazer para caber tudo o que ela gostaria, o que sobra, o que se perde ao passar de uma vasilha a outra, enfim, em relações de peso, medida, capacidade, que estão presentes em uma simples e corriqueira brincadeira na caixa de areia da escola.
Também uma aula de fração pode ocorrer quando se aproveita para discutir o que as crianças fazem, desde muito pequenas, para compartilhar partes de um todo, ou para dividir em partes iguais um determinado objeto, cuidando para que ninguém fique de fora. Ou também quando refletem sobre o que pode ser partido ou não, como ouvi outro dia em uma sala de aula:
– Né, profe, que bombom dá para repartir ao meio, mas gente não?
Parece óbvio, né? Mas não é. Está aí uma noção que reflete o pensamento da criança em relação à ideia de partição, de distribuição, de transformar o todo, uma das propriedades da divisão.
Mas além das situações espontâneas das crianças, ativadas pela experiência do brincar, do experimentar e do viver a matemática, há também as situações planejadas, ou como dizia outro dia uma professora, as “situações pedagogicamente planejadas”, que envolvem a exploração de jogos como bingos de números, cores e formas, trilhas, dados, peões. Também tem as brincadeiras motoras, tipo: “Quantos passos posso dar?” e “Esconde-esconde” – em que se recita os números em sequência e a questão do tempo é fundamental -, e, ainda, “Pula sapata” – em que a ordem, a força e a maneira do arremesso da pedrinha fazem toda a diferença.
Alguém já parou para pensar que tudo isso é matemática? Conhecimento físico é matemática! É experiência. É experimento. É vivência. É observação. É “levantamento” de hipóteses. Matemática é brincar e é também aprender! Matemática é parte da nossa vida! Está no número do apartamento, do telefone, do calçado, do peso. Está na nossa altura, no estacionamento, no pedido do restaurante, nos itens do supermercado, nas notas de dinheiro e nas moedas. Ela faz parte das situações cotidianas, com as quais as crianças, desde muito pequenas, se deparam.
A questão é: como aproveitamos, de forma atenta e cuidadosa, esses conhecimentos que emergem do convívio o tempo todo nos espaços da educação infantil? Como podemos valorizá-los e fazer deles pontos de partida para explorações de situações e materiais variados, para a formulação de novas perguntas e para construções significativas das crianças? Isso é o que, cada vez mais, temos nos perguntado, procurando buscar, em equipe, as respostas, de modo a pensarmos juntas situações mais próximas ao que as crianças estão se perguntando, oportunizando a elas aprendizados com sentido.
(*) Coordenadora da educação infantil e coordenadora geral da escola, respectivamente.