Celso Gutfreind (**)
Há em Alice no país das maravilhas a menção a uma aula que se chama, se não me falha a memória, “lição de ficar feio”.
No embalo de Lewis Carroll, se eu fosse convidado para dar um curso numa escola infantil, eu proporia para as crianças o curso de “não fazer nada”.
A ideia aqui não é rivalizar com as noções iniciais da matemática, língua portuguesa, geografia, música, teatro ou mesmo as primeiras palavras de uma língua estrangeira.
A ideia, de fato, não tem muita ideia e propõe justamente o seu esvaziamento. Gostaria simplesmente de oportunizar às crianças momentos de realmente não fazer nada.
Como o nada, segundo certa filosofia, não existe, e, como vemos na armadilha de nossa própria construção linguística, o nada acaba produzindo alguma coisa, as crianças logo estariam afastadas dele e confrontadas, é claro, com algo.
Alguma coisa não seria estudar. Mas também não recreação. Não seria sequer brincadeira. Não seria nada e, na culatra deste nada, as crianças teriam a oportunidade de, na companhia de um adulto meio atento e meio desatento, sentirem um pouco de tédio.
O curso seria intensivo, mas não de todo breve, de forma que o tédio encontraria a oportunidade de crescer. Se tudo desse certo, ele depois encontraria a angústia e, se for ainda mais bem-sucedido, a tristeza.
Tristeza e angústia.
Este curso nada empírico teria objetivos bem definidos como ensinar a criança a ficar triste, entediada, angustiada sem que um adulto venha logo acabar com isso.
Ao final, estariam aprovados os alunos que aprenderam a esperar e a frustrar-se sem que alguém precisasse vir logo apagar a chama do seu sofrimento. Estes sim entenderiam que os adultos, hoje em dia, na maior parte do dia, estão omitindo o verdadeiro ritmo da vida: ganhar, perder, frustrar-se, gratificar-se, esperar, procurar, ganhar e perder novamente.
Tivesse oportunidade, ofereceria o mesmo curso, em caráter extracurricular ou em pós-graduação, para os adultos. Também poderia ser um supletivo, o formato pouco importa. Novamente, o objetivo principal seria recuperar a capacidade de parar. E perder. Parar e perder simplesmente.
Perder, mas também ganhar a ilusão de que o que se perdeu pode ser recuperado horas, dias, anos depois. Ou não, a fim de se ganhar a possibilidade de convívio com a perda.
Aqueles que aprendessem a suportar o irrecuperável seriam dispensados da avaliação final e liberados antecipadamente para as férias. Com honra ao mérito.
(*) Do livro Crônica dos Afetos – a Psicanálise no Cotidiano, Ed. Artmed, 2016 (págs. 76 e 77). Segue o link para a página do livro no site da editora: https://loja.grupoa.com.br/cronica-dos-afetos-p990087
(**) Pai de ex-aluna, psicanalista e escritor, tem colaborado com este blog desde o começo, em maio de 2016. Suas publicações mais recentes são A porta do chapéu – crônicas em Paris (Class, 2019), A arte de tratar – por uma psicanálise estética (Artmed, 2018) e o livro de poemas Tesouro Secundário (Artes e Ecos, 2017).