Dilan Camargo (2)
A poesia é a forma estética em que uma língua se expressa e se realiza em todas as suas potencialidades metafóricas, recriando-a e atualizando os seus significados históricos. Apresentar a poesia para as crianças, na família e na escola, é um dever estético de familiares e de professores. A poesia, para a idade da infância, é como o leite materno que imuniza e faz crescer a capacidade cognitiva, fortalece a estrutura emocional e abre a porta da imaginação criativa para os seres humanos em crescimento.
Embora ainda predomine o desconhecimento e a desconfiança sobre o lugar da poesia na escola, é possível criar em sala de aula um ambiente favorável e cativante para a leitura de poesia. Antes de tudo, é preciso que os mediadores dessa leitura descubram as ricas possibilidades linguísticas e lúdicas que a poesia oral e escrita oferece para as crianças. Isso exige a busca de informações qualificadas, a vivência da leitura e uma capacidade de contagiar os pequenos leitores com livros e leituras bem escolhidos.
Geralmente, surgem as mais variadas atitudes diante de qualquer proposta de leitura de poesia na sala de aula. Ainda há um injustificado receio, preconceito, e até uma certa resistência de alguns professores em lidar com uma forma de expressão literária pouco ou nada valorizada na sua formação pedagógica. Infelizmente, a causa é o desconhecimento, a falta de pesquisa e a própria falta de prática leitora dos educadores.
Destaco, ainda, que tenho constatado outro tipo de distanciamento dos professores nos variados encontros de que participo em escolas, lendo em voz alta junto com as crianças, numa leitura participativa. Esse distanciamento se expressa numa extrema “seriedade” com que alguns professores ainda encaram a leitura de poesia em suas atividades nos anos iniciais e até na educação infantil. Enquanto as crianças participam ludicamente, brincam e riem durante a interação que faço com elas através de poemas lúdicos, com rimas e jogos de palavras, alguns professores permanecem “sérios, sisudos”, como se isso não fosse adequado no âmbito escolar, pois o “ensino é coisa séria”. E como se as crianças nada aprendessem enquanto brincam com as rimas, os ritmos e as surpresas das palavras. A poesia para as crianças é a alegria da palavra.
Segundo o filósofo e filólogo Manfred Geir, em seu livro “Do que riem as pessoas inteligentes? – Uma pequena filosofia do humor”, em que relata e analisa a história do humor, a negação desse elemento da natureza humana é uma herança platônica que considerava a filosofia uma área de estudos séria demais para admitir esses “sinais de vulgaridade”, entre os quais estariam o riso e a gargalhada. Esse tipo de pensamento ainda se mantém subjacente, subentendido, no contexto da filosofia da educação. Não há dúvidas de que há momentos pedagógicos distintos e cada um deve ser adequado ao seu contexto, em que certamente outras motivações e comportamentos serão necessários. Mas sem a ludicidade na leitura de poesia para as crianças não haverá o encantamento e nem a aprendizagem espontânea da riqueza linguística do idioma. É quando emoção e conhecimento se encontram, conforme demonstram os avanços dos estudos de neurolinguística.
O professor e pesquisador Hélder Pinheiro, a partir de uma longa vivência de práticas de leitura de poesia em sala de aula descobriu uma realidade contraditória que ainda não foi suficientemente superada: a poesia está ausente na sala de aula, embora os alunos tenham sempre demonstrado grande interesse e receptividade por ela. Dedicou-se, então, a pesquisar e a sistematizar os resultados dos seus estudos e experiências em sala de aula, reunidas em seu livro “Poesia na sala de aula”. Um dos aspectos que mais chamaram a sua atenção foi o de que a maioria dos professores dos anos iniciais não se consideraram habilitados para trabalhar com poesia em sala de aula. Chegou, assim, à constatação de que são necessárias mudanças urgentes na formação básica do magistério, embora já existam consideráveis iniciativas isoladas.
“De fato, a maioria dos professores de Português e Literatura não procura despertar o senso poético do aluno, não se interessa por uma educação da sensibilidade de seus alunos. Esta questão, para muitos, nem sequer é colocada”. (3)
E é justamente no âmbito da pedagogia que se localiza um dos maiores obstáculos a serem superados para a introdução qualificada da leitura de poesia desde a educação infantil e dos anos iniciais. Poesia até rima com pedagogia, mas não combina. Um poema não é um recurso pedagógico curricular. Literatura é arte e arte não se ensina através de recursos e de técnicas pedagógicas formais. Arte se vivencia. É claro que, informações e contextualizações são necessárias para enriquecer a assimilação e fruição da natureza e da forma artística de um poema, como as de qualquer obra de arte. Precisamos resgatar noções básicas de estética ausentes na formação pedagógica, como em nossas próprias vidas, mas tão essenciais para o aperfeiçoamento da nossa sensibilidade humana.
O desenvolvimento da chamada neurociência trouxe importantes contribuições para o conhecimento do cérebro, suas funções e atividades, que começam a ser aplicadas ao que também começou a ser chamado de neuroeducação. Essa é uma junção dos conhecimentos de psicologia, educação e neurociência, que contribui para a identificação de melhores formas de ensinar e de potencializar os aprendizados. Um dos seus pressupostos é de que o cérebro precisa se emocionar para se disponibilizar a aprender. Esse é o ponto de maior aproximação entre a leitura e o aprendizado da poesia na escola pela potencialidade que tem um poema de despertar emoções nas crianças e jovens. O déficit emocional da nossa época está relacionado diretamente à diminuição do nosso vocabulário linguístico, o que limita extremamente a capacidade humana de processar sentimentos e emoções. No entanto, os especialistas recomendam cautela na aplicação da neurociência à educação.
Um livro de poesias para crianças é um múltiplo literário que tem uma natureza rica, diversificada, e não monotemática. Num só livro se abrem temas e abordagens diferenciadas, dirigidas mais à imaginação e ao autoconhecimento do que a uma disciplina curricular de aprendizado prático. Nesse sentido, é preciso buscar livros de poesia que valorizem o mundo da infância e da natureza, em suas variadas manifestações, e que sejam escritos para as crianças com inteligência e criatividade, respeitando a sua sensibilidade, as suas capacidades literárias e a sua dignidade infantil.
Notas:
(1) Este texto é a 4ª parte de um ensaio sobre o tema da poesia infantil escrito por Dilan e enviado ao nosso blog. Completaremos sua publicação, até o final deste ano letivo, de forma intercalada com outros textos, de outros autores.
(2) Escritor gaúcho, nascido em Itaqui. Publicou vários livros de poesias e de narrativas para os públicos infantil, juvenil e adulto. Pela Editora Projeto publicou O vampiro Argemiro, 1993, Bamboletras, 1998, BrincRiar, 2007, e Poeplano, 2010, tendo, ainda, participação nos livros Poesia fora da estante, 1995, e Balaio de ideias, 2007. Recebeu os prêmios Açorianos de Literatura Infantil da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Livro do Ano, nas categorias Infantil, Narrativa Curta e Poesia da Associação Gaúcha de Escritores. Teve livros selecionados para o Catálogo de Bolonha (Itália) e outros indicados para o Prêmio Jabuti. Para saber mais sobre o autor: http://www.dilancamargo.com
(3) PINHEIRO, Hélder. Poesia na Sala de Aula. Bagagem. 2007, pág. 19.