Celso Gutfreind (2)
“História não precisa ser destino.” (Salvador Célia)
Rio de Janeiro, Leblon, Posto 12. Sol a pino. A tarde inteira pela frente, entre a favela do Vidigal e a Avenida Delfim Moreira, com prédios que parecem suntuosos.
O morro Dois Irmãos reflete a festa da beleza. Mas, entre sorveteiros e vendedores de tudo, o carro-chefe da paisagem consiste em duas meninas na beira do mar. O mar, sim, é suntuoso.
Duas meninas. Uma com a mãe. A mãe da outra se ocupa de seu próprio banho, na rebentação adiante. A menina cuida de si, defende-se das ondas em ressaca, fecha a boca na hora da espuma, recua no repuxo que arrasta. Os pés já têm força para se fixar na areia.
A outra não se defende direito, cai na onda, engole água, pés aéreos, vulneráveis ao mar. A mãe faz por ela.
Mas nada é maior que força de menina querendo encontrar outra menina: nem repuxo nem mãe. Elas têm a parte debaixo do biquíni e só, sequer baldinho ou pá. Já não se diferem. O resto é encontro. Os tesouros moram dentro. Lá fora, estão de mãos dadas. Ninguém as separa: nem mãe, repuxo, sol a pino. As ondas lambem, as meninas pulam. A que está sem mãe por perto manda sentar, levantar. A outra a obedece, bem feliz da mão na mão e da mãe longe, um metro adiante. Anos depois, quem dará as ordens, provavelmente, será ela. Horas depois, vestirá roupas mais caras e brincará com brinquedos que parecem suntuosos como o mar de sempre e o encontro de agora.
Antes, a menina de mãe longe pulava mais e sorria menos. Agora tem amiga, e as duas ainda são parecidas sob o sol mais manso: mesmos risos, graças, pulos. As mãos são de cada uma, porém continuam dadas. Colhem conchas e plantam a alegria de estar junto. Confundem-se na pequena sombra de um sol que recua. A vida, a vida avança.
E até a gaivota, que nunca vem, resolve aportar no Posto 12, entre o Vidigal e a Delfim Moreira. Alheia ao mar e à montanha, ela sobrevoa as meninas como quem aplaude um instante com todo jeito de eterno.
(1) Do livro A Dança das Palavras: Poesia e Narrativa para Pais e Professores (Ed. Artes e Ofícios, 2012). Neste link, os livros do autor por essa editora: https://arteseoficios.websiteseguro.com/loja/pesquisar.php?palavra=celso+gutfreind
(2) Pai de ex-aluna da escola, psicanalista e escritor, colaborador deste blog.