Ana Carolina Rysdyk da Silva
Você não sabe o que espera atrás da porta da sala de aula quando começa o ano letivo. Você imagina pela conversa dos professores dos anos anteriores. Imagina por conhecer um pouco do trabalho de cada série. Talvez tenha conhecido alguns pais nos anos anteriores. Talvez já tenha dado aula a alguns desses alunos ou seus irmãos. O fato é que cada ano é um novo ano. Com novas expectativas, com novos projetos de trabalho. Qualquer professor sabe disso. E na Projeto isso não é diferente. Mas tem uma profundidade de significado, que é difícil explicar pra quem só observa de fora. O que vocês vão ler agora é um relato sobre o que foi passar o segundo trimestre com a turma de 5º ano da Escola Projeto.
Em 2015 recebi o convite para ser professora do 5º ano na escola. Uma turma com 20 alunos, bem maiores do que aqueles do 1º ano com que eu estava acostumada. Além de ser o último ano das crianças na nossa escola, é no 5º ano que há a tão esperada viagem para São Miguel das Missões. E todos sabem que não é só um passeio. É o fechamento de um estudo, que no caso desta turma durou quatro meses. Quatro meses mergulhados, semana após semana, na história daquele lugar. Procurando pistas em textos, vídeos, entrevistas e quaisquer materiais que trouxessem um pouco do que contam aquelas ruínas. Um pedaço pequeno e ao mesmo tempo tão grande da História do Rio Grande do Sul.
Sempre com a preocupação de mostrar para as crianças diversas versões de uma mesma história, de um mesmo caso, oportunizamos que avaliem e tirem suas conclusões a respeito dos estudos que aprofundamos. Neste projeto não foi diferente. A cada novo encontro com o tema, novas descobertas, novas discussões e novos olhares eram compartilhados. E nesse momento você se vê, junto da sua turma, entrando nesse mar de informações, imagens, documentos e relatos que contam a história da formação do nosso povo. E vê a sua turma formando opiniões a partir do que estudam e sentem com o passar dos dias.
Então, depois de quatro meses de estudo da vida do povo Guarani antes, durante e depois das Missões Jesuíticas, da vinda dos europeus para cá, eis que chega o dia de embarcar. A ansiedade toma conta da turma, que quase não consegue pensar em outra coisa nos dias que antecedem a partida. E, nesse caso específico, há um detalhe importante que precisa ser dito: a professora – que no caso sou eu – também não conhecia o lugar. Também precisou estudar muito para compreender mais sobre a história daquele pedaço de chão. Sobre a vida dos indígenas, sobre a história do índio Sepé Tiaraju, que protagonizou a luta de resistência dos Guarani nas terras do Rio Grande do Sul, contra as coroas espanhola e portuguesa. E não há como contar o que significa estar lá, depois de estar imerso nesse estudo. Eu jamais teria sentido tudo o que senti se não tivesse entrado tão profundamente nessa história junto com a turma. É mais do que se pode explicar. Você entra e um arrepio percorre a sua espinha, e ele não sai mais da sua pele enquanto pisa naquela grama. Seus olhos se enchem de lágrimas, mesmo que contra sua própria vontade. É a História viva.
Durante três meses, lemos a história do índio Sepé Tiarajú, através do romance escrito pelo autor Alcy Cheuiche. Desde seu nascimento até sua morte. Decidimos finalizar a leitura naquele lugar mágico, todos sentados dentro do que sobrou da catedral de São Miguel. Naquele lugar, ele viveu. As crianças olhavam pra mim, com a esperança de que talvez o final não fosse tão trágico. Seus olhos brilhavam naquele silêncio, que permitia somente o barulho do vento. Sepé morrera em batalha. A redução teve de ser abandonada. E ficou esquecida durante centenas de anos, para depois renascer na História. E penso que cada vez que alguém se propuser a compreender um pouco mais sobre esse episódio da nossa História, esses povos renascem. E se imortalizam.
Lindo relato, Ana! Emocionante!
Carol,
Me senti viajando com todos e achei comovente o teu relato.