Luísa Kops Ferreira (*)
Ainda lembro da satisfação que sentia ao chegar na aula e ver a professora pegando o giz para escrever a organização do dia no quadro. E lembro de chegar em casa todos os dias e fazer a mesma coisa, pronta para ensinar às minhas bonecas a grande coisa que fosse que eu tivesse aprendido naquele dia. Faço isso até hoje. Digo, acordar e organizar minha rotina numa folha de papel, não dar aula às minhas bonecas – ainda que a ideia de transmitir conhecimento através das palavras me fascine. Talvez algum dia ainda seja professora, ou escritora, quem sabe. As vivências que experimentamos quando pequenos moldam inevitavelmente os adultos que nos tornamos.
Há cerca de dois meses atrás apresentei meu trabalho de conclusão de curso na Escola de Direito da PUCRS. A ideia de me inscrever na cadeira do trabalho de conclusão era, por si só, assustadora e emocionante; escrevê-lo, então, um misto de todos os sentimentos bons e ruins que nos dão aquele frio na barriga – as borboletinhas que nos indicam que estamos prestes a dar um grande passo em direção ao futuro. Meu maior medo? Não ter sucesso em traduzir em forma de texto a ideia que escolhi e julguei tão importante escrever. Não porque duvidava da minha capacidade, mas porque tinha receio de não estar à altura para discorrer sobre um tema tão relevante e delicado – o problema da representatividade feminina no Congresso Nacional como produto de uma construção social, política e cultural de tantos séculos. O tema exigia responsabilidade e muito conhecimento para que fosse abordado de forma a demonstrar com precisão todas as nuances e impactos sociais da construção dos papéis de gênero, sem que o artigo acabasse virando um trabalho de conclusão longe do Direito e próximo demais das Ciências Sociais.
Tomei o desafio que eu mesma me impus e vivi intensamente dentro de mim o processo de aceitar o ritmo do meu trabalho. Leituras densas, multidisciplinares, escolhas a serem feitas e necessidade de delimitações que por muitas vezes me levaram à procrastinação, ansiedade, frustração, mas também à aceitação do meu processo – que em diversos dias eu não iria produzir da forma como eu imaginava e que produzir não significava necessariamente estar escrevendo –, aceitar que as milhares de horas que passava digerindo as leituras na minha cabeça, ou lendo artigos que sequer entrariam para a bibliografia, não eram dias perdidos. No meio do caminho aprendi a me apaixonar pelo processo, a me dar conta do momento em que eu estava, do que eu estava fazendo e de como por muito tempo quis estar exatamente ali.
As chegadas são boas, mas a vida é feita dos caminhos – é isso que molda quem somos. E a Projeto teve um papel fundamental nisso. Lembro de cada leitura, cada conto, cada feira do livro e cada músico convidado que estudávamos naquela época, e me alegra seguir acompanhando o trabalho da Escola e perceber que essas coisas todas permanecem. O protagonismo da cultura, da diversidade e da interdisciplinaridade em todos os projetos que a Projeto criava me tornaram a pessoa socialmente consciente que sou hoje, que enxerga o mundo de uma perspectiva ampla, plural, inclusiva – e a sociedade precisa de pessoas assim. A Projeto me ensinou a fazer as perguntas certas, porque já sabia que as respostas sempre dependerão de muitas variáveis. Mais do que isso, a Projeto me ensinou a acreditar em mim, sempre incentivando a participação em concursos literários, oficinas e tantas coisas novas.
Ainda que por vezes os frutos das sementes que plantamos demorem a ser colhidos, quando eles vêm, chegam repletos de uma satisfação pelo trabalho bem cumprido que enche os olhos e o coração. Foi esse o sentimento depois da minha Banca do TCC. A Banca foi composta pela minha professora orientadora e uma professora convidada, formada em Direito e Doutora em Linguística. Me enche de uma alegria e satisfação imensuráveis lembrar que os comentários dela sobre o meu trabalho foram exatamente no sentido da precisão, clareza e boa condução do leitor ao longo do texto, sendo capaz de me fazer entender de forma completa e objetiva – justamente o ponto em que eu tinha mais medo de falhar.
Muitas vezes a procrastinação é também o medo se expressando através da preguiça, medo de concretizar o quão bons podemos ser. Por isso eu falo que o trabalho de conclusão de curso foi muito mais do que escrever um artigo jurídico como parte dos requisitos para conquistar meu diploma daqui alguns meses; foi um processo de autoconhecimento e enfrentamento de diversos obstáculos dentro de mim. Quando saí da apresentação meus pais estavam cheios de orgulho pelos comentários da Banca e a primeira coisa que eu disse foi “muito disso é por causa da Projeto”. A Projeto me ensinou disciplina, organização, perseverança, resiliência; me ensinou o gosto pela escrita, pelas palavras, e me introduziu ao universo que se abre quando mergulhamos nelas.
O que eu disse foi extremamente espontâneo, mas era tudo que eu conseguia pensar, como eu era grata por todos os anos que passei na Projeto explorando um mundo de possibilidades, que me trouxeram até aqui. Eu posso não ser a melhor aluna de física ou matemática, mas a Projeto soube cultivar e incentivar o melhor em mim, proporcionando uma educação que foi muito além dos números ou das letras, mas da perspectiva pela qual eu enxergo o mundo.
Que a Projeto é uma escola pioneira todos que já passaram por lá sabem. Mas como é bom retornar ao lugar que tanto me proporcionou e poder dar esse retorno, agradecer pelo papel essencial que a Projeto teve em toda a minha trajetória. Fazer esse reconhecimento de cada passinho que me trouxe até aqui dá um sabor ainda mais especial às minhas conquistas. Muito obrigada.
(*) Ex-aluna da Projeto (4ª série/2008), filha da professora de Inglês nos 1ºs anos da escola, Anelise Kops, e formanda em Direito pela PUCRS.