Deise Lisboa Riquinho (2)
Estamos no nosso segundo ano de aulas remotas e minha filha Antônia, hoje na turma 22, demonstra independência para algumas atividades, como leitura na plataforma “Elefante Letrado” e o acompanhamento das aulas. No entanto, o ano passado foi muito desafiador: Antônia não estava alfabetizada quando iniciou o ensino fundamental. Para auxiliar adquirimos alguns objetos de aprendizagens, como alfabeto e figuras que ilustravam cada letra, um quadro para expor e outros materiais pedagógicos. Tinha em mente as salas de aula e os corredores da escola tão coloridos e instigantes.
Algumas vezes ela dizia “Não é assim que se ensina, tem que falar o som”, e eu, como professora de adultos, reconhecia que não conseguia ajudá-la. Fiquei muito sensibilizada e preocupada com outra fala sua: “Eu não vou aprender a ler, enquanto não voltar para escola com meus amigos”. Ela tinha toda razão, o aprendizado ocorre nas relações estabelecidas, nas trocas e nos afetos. Mas como esperar por um retorno incerto e longínquo? Por indicação de uma colega conhecemos a Rejane, uma professora de séries iniciais que recentemente havia se aposentado e decidiu socorrer famílias desesperadas. Serei sempre grata à Rejane. Os encontros de ambas, inicialmente mediados por mim, tinha cumplicidade e alegria, e Antônia foi se aventurando no mundo da alfabetização. Sentindo-se mais confiante, começou a ler. No final do ano foi com muita emoção que ela e todos os colegas leram as estórias criadas coletivamente, destacando elementos do cotidiano e da fantasia.
O novo ano escolar iniciou com cadernos, canetas e dicionário com cheiro do novo, mas depois de poucos encontros presenciais veio a interrupção e o retorno ao virtual. Percebi que há maior familiarização com as aulas e as ferramentas digitais. Mas temos de negociar as leituras, os temas, os jogos e as conversas com as amigas. Tem sido um exercício constante de negociação: duas horas de jogos, agora é brincadeira, suspende o tablet, com quem está jogando, o que joga.
Às vezes, durante as aulas, a vejo meio absorta, desenhando ou jogando dominó. Pergunto se tem relação com a aula e ela retorna. Antônia, por outro lado, faz participações especiais em minhas aulas e reuniões, e tenho percebido que precisamos de certa leveza, com uma boa dose de informalidade em alguns momentos, mas claro que em outros há necessidade de um tom mais sério.
E assim, vamos seguindo, observando que o que temos vivido se estende a tantas outras famílias: o trabalho remoto ou misto, como é o nosso caso, e uma parte do tempo do dia para a filha. Fico um turno em casa e outro em atividade essencial, num projeto de extensão desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e, assim, divido com Antônio as atividades domésticas e os cuidados/supervisão da Antônia e suas atividades. E o nosso desejo, especialmente o da Antônia, para o retorno às atividades presenciais, infelizmente se distancia da realização, à medida que se acirra a propagação do vírus. Isso porque temos acompanhado a morte de quatro mil pessoas por dia, com expectativa de aumento. É como diz o poeta: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”.
(1) Texto escrito no início de abril de 2021, quando ainda não se tinha notícia da volta ao presencial.
(2) Mãe de aluna do 2º ano da escola, Enfermeira, Doutora em Saúde Pública e Professora da Escola de Enfermagem da UFRGS.