Rubem Penz
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
Num artigo recente publicado na BBC Brasil, David Barney, professor especialista na formação de docentes da Universidade Brigham Young, iluminou um tema que costuma permear as rotinas de uma aula de Educação Física: a escolha dos times para jogos recreativos. Ele defende que o impacto negativo de ser um dos últimos a ser escolhido, quando não o último, pode ter sequelas a longo prazo. O dano mais evidente seria fazer com que a pessoa desgoste de esportes e atividades físicas para sempre.
“Se você escolhe equipes para jogar basquete, por exemplo, dentro de dois dias as crianças já não lembram quem ganhou”, diz Barney no artigo. “Mas se lembram de como se sentiam, lembram que foram escolhidas por último”, acrescenta.
Caso você faça parte do grupo de pais que diminuem o valor das aulas de Educação Física, considerando-a em um patamar acessório, veja só: em nenhuma outra atividade há melhor chance de evoluir na habilidade de socialização do que no esporte escolar. A performance física é evidente, sensível e concreta. Nossas diferenças se tornam claras e uma delas, talvez a mais visível, será o desempenho. Nos extremos estarão de um lado as crianças que executam determinado fundamento esportivo com destreza inata, e do outro aquelas cuja dificuldade será quase intransponível. Para aumentar o abismo, o primeiro pessoal aprenderá novos esportes com muita facilidade, ao contrário dos outros. Exatamente aí reside o detalhe: ser social não é ser igual, mas conviver bem com as diferenças.
Barney considera mais seguro (ou menos traumático) delegar ao professor a tarefa de montar as equipes. Também diz que isso deve ser feito previamente, sem expor os alunos. Um detalhe, porém, escapa deste método: durante a partida, por mais velada que tenha sido a escolha – por mais competente em deixar as equipes parelhas –, o desempenho emergirá e terá reflexos na performance do time. Com ele virão as cobranças e, sem sombra de dúvidas, possíveis traumas. Pior: aos “craques” terá sido imposta a presença dos colegas menos habilidosos e, assim, a empatia tenderá a ser menor.
Particularmente, discordo do professor. O vexame de ser escolhido por último não será menor do que o resultante do mau desempenho, e este último não acontece porque a criança já partiu derrotada. Na minha opinião, da evidência de diferentes habilidades surge uma oportunidade de estreitamento de laços. Do fortalecimento das lideranças positivas pode surgir o comprometimento e, nele, o desempenho coletivo máximo dentro das limitações de cada um (e nem isso será garantia de vitória, e nem ela será o principal objetivo).
Claro que isso tudo tem se tornado cada vez mais difícil em uma época na qual cada um só estará contente se for recordista, melhor, bam-bam-bam. Momento em que se deseja ser dançarino sem ritmo, músico sem ouvido, pintor sem talento. Superdotados, prodígios, gênios. Quem sabe a saída para evitar traumas não esteja na simples aceitação de que não cabe a nós (ou aos nossos filhos) o fardo de sermos campeões em tudo?
Excelente reflexão em tempos atuais! Saliento um trecho…
“Exatamente aí reside o detalhe: ser social não é ser igual, mas conviver bem com as diferenças. A Escola é um lugar, dos mais importantes e singulares, para imprimir uma marca nesse sentido. Nas aulas de EF e em vários momentos em que o outro se faz presente na vida de nossas crianças.”
Compartilharei a reflexão com professores e famílias… estamos precisando ler textos que nos façam, simplesmente, pensar.
Ótimo texto para refletir. Obrigada.