Rubem Penz
Há um famoso jardim japonês chamado Ryoan-ji – Templo do Dragão Pacífico –, datado do século 11 e roteiro frequente de visitas. Nele, não existem flores, árvores ou arbustos. É um jardim de areia e rochas. Porém, acima do exotismo de sua natureza, está uma curiosa particularidade: com quinze pedras em seu interior, apenas quatorze são visíveis. Isto é, não importa de onde parta o ponto de vista, uma das pedras estará oculta. Sempre.
Tamanho cuidado em posicionar as peças não pode ser interpretado como coincidência (tudo na cultura oriental parece suscitar lições). Uma das leituras possíveis é a de humildade: o todo jamais será revelado a quem quer que seja. Outra probabilidade recai sobre a certeza de que a verdade absoluta não existe. Também podemos tirar uma lição de fé: é preciso crer na décima quinta pedra sem jamais vê-la, comprovar sua existência, contar com ela. Isso até o domínio dos ares, até o lançamento de satélites, até o Google Hearth, até a febre dos Drones.
Hoje, uma pessoa no Brasil, Austrália ou Finlândia consegue ver Ryoan-ji sem sair de casa e por diversos ângulos, inimagináveis no século 11. Sobretudo, ângulos que subvertem a proposta arquitetônica original. O todo parece estar ofertado para qualquer um; a verdade é pleiteada pelos olhos artificiais que tudo veem; Divina pretende ser a ciência que prova sem crer. No momento em que um qualquer pode tanto, quando todos nós podemos nessa medida, fica a dúvida sobre a magnitude da visão de quem nos espia de propósito e almeja vantagens com tal poder.
Constatar essa nudez global (e aqui não é chiste) deveria desestimular as pessoas a atenderem ao irônico pedido “sorria, você está sendo filmado”. Nem mesmo o sagrado espaço da sala de aula parece escapar da invasiva sanha: eventualmente, a filmagem on-line das salas de aula retorna para a pauta, deixando educadores na delicada situação de explicar seu absurdo. Ainda que as lentes sejam consideradas vigilantes para nossa segurança e bem-estar, duvido das boas intenções. Fosse assim, a violência teria declinado, e não o contrário – ou você sai para rua de coração leve? Acompanhando o resultado das câmeras, a única certeza que me ilude é a de estar entregue à barbárie.
Prometem paz e entregam desconfiança. E medo.
Porém, forçado por uma esperança que se justifica apenas na fé, quero crer na invisibilidade da décima quinta pedra. Preciso desesperadamente acreditar na metáfora de Royan-ji. Algo está escapando da tecnologia e permanece oculto; raros ambientes se mantém invioláveis. E, quem sabe, é algo bom, capaz de acalmar os espíritos, destronar a cobiça, estabelecer a tranquilidade.
De onde me encontro, quatorze pedras mostram o contrário.