Artur Gomes de Morais (*)
Cena 1: Uma mãe, muito contente, diz que, na escola de sua filha, que acabou de fazer 5 anos, as crianças “já aprendem a ler e escrever com letra cursiva”. Sua amiga, que tem uma filha de 5 anos e meio, numa escola construtivista, comenta: “Pois lá na escola de Maria as crianças começam com letra bastão e, só no segundo ano, é que começam com a cursiva”.
Afinal, o que é bom para nossas crianças? Como sempre, a resposta vai depender de como concebemos que elas se desenvolvem. No caso, como explicamos que aprendem a ler e a escrever.
Numa perspectiva tradicional, se entendia (e se continua concebendo) que a aprendizagem da escrita é uma questão de treino e repetição. Fazendo exercícios de coordenação motora, as crianças precisariam copiar letras em cursiva e decorar os sons a elas correspondentes.
Numa perspectiva construtivista, sabemos que as crianças, de início, não entendem que as letras substituem sons e acham que formiguinha deve ser uma palavra pequena, enquanto trem seria uma palavra muito grande. Com sensibilidade para respeitar essas peculiaridades do raciocínio infantil, que aparecem numa etapa bem inicial, consideramos que, para entender como nossa escrita funciona, a criança precisa “olhar o interior das palavras” e pensar nas “unidades-letras”. Se assim é, vai ser muito mais fácil ela se deparar com a palavra V I D R O e poder exercer sua curiosidade sobre ela: vendo que tem 5 letras, que todas são diferentes, que algumas podem estar no nome dela, ou nos nomes de coleguinhas etc. Pense no emaranhado que é a escrita da mesma palavra vidro com letras cursivas “bordadas”, como as que éramos obrigados a fazer, quando crianças, desde a pré-escola! Com esse tipo de letra, onde acaba o V e começa e termina o I? Por isso defendemos que, até compreenderem como o alfabeto funciona, e passarem a usar as letras com seus valores convencionais, nós, adultos, ajudamos mais nossos aprendizes se deixarmos que escrevam com letra bastão ou “letra de imprensa maiúscula” como dizem alguns.
Mas, no baile da escrita, no interior da escola, e no mundão fora dela, as letras vestem roupas muito variadas. Meninos e meninas precisam, cedo, também dominar essas letras que você está lendo (“de imprensa minúscula”) para poderem ler os livros infantis, de modo autônomo, e com eles se deleitarem! E precisam vir a saber escrever com letra cursiva, porque ela nos permite registrar mais rápido nossas ideias, quando não temos um teclado a nossa frente. Ter um teclado e ficar “catando letras” também não nos permite registrar nossos pensamentos quase em tempo real. É preciso, em algum dia, vir a saber digitar com um mínimo de destreza. E também é preciso aprender a escrever de modo legível, porque é uma exigência social, sempre que necessitemos escrever, rapidamente, “com lápis e papel”…
Ufa! É muito! Uma coisa de cada vez! Depois de entenderem o mistério de como as letras funcionam, deixemos nossas crianças conviverem com todos os tipos de letra e, progressivamente, dominá-los.
Se o baile da escrita já era algo “animado”, com roupas vivas e variadas, imaginemos a quantas anda, hoje, quando esse processador de textos, no qual estou escrevendo, tem mais de 150 tipos de fonte! Com que letra eu vou?
(*) Professor titular da Universidade Federal de Pernambuco. Atua no Centro de Educação e no CEEL- Centro de Estudos em Educação e Linguagem da UFPE
Parabéns professor Artur, adorei o texto!