Roberto H Amorim de Medeiros (*)
Em meio a uma pandemia, muito há o que repensar. Também, muito há o que reinventar, construir e modificar em nossas relações com tudo que fazia parte de nossas vidas antes dela, o que é um desafio e tanto. Como pais, mães e alunxs da Turma 22 da Escola Projeto também recebemos um desafio de outra turminha para apoiarmos alguma instituição com a chegada do inverno nesses tempos onde a solidariedade se faz tão essencial.
Após alguma troca de ideias, nosso grupo acabou consensuando que a equidade e a maior vulnerabilidade poderiam constituir bons critérios de escolha da instituição que seria beneficiada pela nossa ação.
Na nossa cidade temos 8 territórios urbanos quilombolas, 7 certificados e reconhecidos pela Fundação Palmares, um deles em processo, mas apenas 1 dentre os 8 (Quilombo dos Silva) detém a certificação do INCRA, o que lhes permite acessar algumas políticas públicas, dentre as que ainda sobraram, para proteção e sustentabilidade da vida humana, ainda mais neste momento.
O Quilombo dos Machado (QM) ainda está buscando esta última certificação e, por isso, sua população de quase 250 famílias se torna ainda mais vulnerável. Como luta por direito à vida e à cidadania existe a Frente Quilombola, que integra lideranças e comunidades dos 8 territórios (Silva, Areal, Fidélix, Lemos, Alpes, Quilombo dos Machado, Quilombo Flores e Matriz Africana de POA Família de Ouro) e dá mais força ao movimento por educação, saúde, reconhecimento da cultura, educação contra o racismo e, agora, infelizmente, tendo que enfrentar o terrorismo de Estado e de parcela da sociedade com atos de fascismo explícito.
De acordo com nosso critério escolhemos o Quilombo dos Machado. Por intermédio de um dos pais que é apoiador daquela comunidade nas questões da organização da saúde, conversamos com as lideranças e delas surgiu a seguinte ideia: integrar as crianças da Turma 22 com as do QM por meio da doação de um par de meias e de algum tênis que não serve mais, junto com uma cartinha que seria respondida posteriormente pela criança que recebeu o agasalho e a proteção para seus pés.
No entanto, essa conversa nos levou a reconhecer outros problemas e iniciativas como a falta de gás de cozinha e o projeto de revitalização de um pedaço do território do Quilombo com a construção de uma pequena pracinha.
A ideia de aquecer os pezinhos ganhou força na Turminha 22 e, como alternativa para as famílias que não tivessem essas doações específicas, organizamos uma vaquinha virtual com a meta de conseguir 5 botijões de gás.
Após pouco mais de uma semana conseguimos reunir os pacotinhos de cada um com os calçados e meias, mais outras doações de utensílios e agasalhos. Nossa vaquinha virtual também ganhou muitos apoios e chegamos ao valor de 37 botijões.
No sábado do dia 20 de junho uma comitiva de pais e alunos foi levar as doações e pôde conhecer a organização da comunidade, a construção da pracinha, conversar com moradores e lideranças e tirar uma linda foto com a bandeira da Frente Quilombola.
Desafio cumprido, mas ficou a curiosidade de conhecermos mais da história e da cultura quilombola em termos de sociedade (onde a solidariedade é um dos fundamentos), modos leves de cuidar da saúde, religião, capoeira e sobre as principais conquistas e desafios dos povos de quilombo de nossa cidade. O racismo é um tipo de falta de educação. E ele precisa acabar.
(*) Pai da Lira, aluna da turma 22, Professor Adjunto da UFRGS/Campus da Saúde.