Anna Milanez e Fábio Rodriguez (*)
Vivendo o segundo ano da pandemia de Covid19, a data de 5 de junho nos desafia celebrar o Meio Ambiente, refletindo sobre nossas ações coletivas e individuais. A Educação Ambiental há décadas vem propondo alfabetizar as pessoas quanto às noções de ecologia e cuidados com o planeta. Por outro lado, a própria pandemia oferece suas lições bastante claras sobre interdependência, explicitando o quanto nossas ações impactam a saúde dos demais seres e o quanto a saúde do coletivo impacta, invade e perpassa a nossa própria vida.
Como educadores buscamos sensibilizar a comunidade sobre a conservação da natureza e a importância de realizar ações cotidianas que contribuam para uma tal sustentabilidade.
Nessa direção surgiram os 3R’s (ou 5 ou mais), palavras chaves popularizadas para disseminar as ideias de manejos mais sustentáveis dos recursos naturais que extraímos, modificamos e utilizamos nesse nosso modus operandi da vida humana contemporânea.
Porém, quando o discurso pedagógico carece de embasamento, pode se tornar romântico e superficial, e ao invés de contribuir às mudanças necessárias para que a vida seja sustentável, pode prejudicar ainda mais nossas chances de realmente aprender a sustentabilidade ou, ainda, interferir negativamente na nossa saúde.
Para dar suporte ao nosso trabalho, existem, entre outros, os mecanismos legais, que devem ser norteadores de ações de Educação Ambiental, como a Lei Federal № 9.795/1999, assim como a política nacional de resíduos sólidos (Lei Federal № 12.305/2010). Esses mecanismos visam a adequação das ações desenvolvidas às normas que regem os princípios, os objetivos e os instrumentos que serão utilizados como forma de gestão integrada e/ou ao gerenciamento dos resíduos sólidos, dentro das responsabilidades de cada um (poder público, sociedade civil, cidadão).
Por ser um assunto muito amplo, vamos usar alguns exemplos bastante corriqueiros em atividades de educação ambiental ou ações de reaproveitamento de resíduos no âmbito escolar, que buscam incorporar principalmente as premissas de reutilização de resíduos como forma de participar das mudanças propostas pelos 3R’s. Dentro destas, destacam-se a reutilização de embalagens como garrafas pet, caixa tetra pack, ou o uso de pneus, e até de matérias primas de grande impacto ambiental como o EVA.
O Pinterest, por exemplo, pode ser uma grande armadilha para um educador bem-intencionado que busque ali ideias de como reutilizar materiais ou mesmo elaborar atividades pedagógicas sobre a temática ambiental. Sua tela será inundada de imagens simpáticas que utilizam materiais recicláveis para produzir as mais variadas criações. Entre elas, poderá encontrar, feito com garrafas PET, cofrinhos decorados de animais, recortes mirabolantes, ferramentas e artefatos criados com o PET, incluindo vasinhos para uma horta “sustentável”. E qual o problema de usar o PET para criar objetos? Bom, a lista é grande. Pode-se chegar inclusive ao extremo de comprar uma garrafa desnecessária para aquela casa, para poder levar à escola e realizar uma tarefa específica (falhamos no R da redução). Pode-se criar rios de partículas de microplástico PET, que, apesar de serem recicláveis, não serão reciclados, pois se perderão da cadeia de reciclagem (triagem), por serem pequenos, e, no próprio processo seletivo do resíduo, por escaparem da seleção e serem frequentemente enviados ao meio ambiente, terminando em rios e mares (falhamos no R de reciclar). E, finalmente, depois de servirem como vasinho de muda, podem perder sua capacidade de serem reciclados, pela exposição ao sol e substâncias, e, estarem então, condenados ao descarte como rejeito, levando séculos para ser decompostos e aumentando as áreas de contaminação dos aterros sanitários (isso se encaminhado corretamente e não esquecido no caminho, virando mais um “lixo”). Lembrando ainda que, mesmo que não houvesse todas essas “desvantagens” associadas, a mesma garrafa PET não possui a mínima aptidão para essa finalidade, pois é transparente, afetando negativamente a fauna e a flora do solo, bem como o sistema radicular das plantas, já que superaquece com maior facilidade, atrapalhando os processos fisiológicos das plantas e o seu pleno desenvolvimento. O mesmo ocorre com as embalagens de tetra pack, que apesar de possuírem componentes diferentes aos do PET, também não apresentam aptidão para o uso como vasos de plantas, por exemplo, além de serem inutilizados à reciclagem após esse reuso. Lembrando que essas embalagens, na sua composição, apresentam além do plástico, papelão e alumínio, sendo este último passível de recuperação como matéria prima com alta pureza após o processo de reciclagem.
O “Reutilizar” é o R campeão da confusão. Ele propõe um olhar crítico para evitar os descartáveis, trazendo as versões reutilizáveis de sacolas de mercado, garrafas de bebidas, pratos de festa, entre outros, mas, é muitas vezes confundido com “reutilizar” materiais que, ao serem modificados, perdem a chance de participarem da reciclagem industrial.
A mesma situação acontece com o pneu. Quantas escolas ou praças públicas foram inundadas de pneus velhos com a proposta de reutilizar um resíduo, que está enquadrado legalmente dentro da logística reversa, que obriga seus fabricantes a darem um fim sustentável a ele, recolhendo e reciclando cada peça. Isso ocorre ignorando o fato dos pneus serem compostos por diversos produtos químicos contaminantes, que, desconhecidos pela população, terminam entrando em contato com a pele das crianças, vias aéreas, e/ou sendo ingerido direta ou indiretamente, por estarem presentes nas plantinhas das hortas vizinhas a essas construções, ou que foram cultivadas dentro desses pneus. Mas, afinal, qual a composição de um pneu? De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Pneumáticos, a SINPEC, no pneu de veículos de passeio a borracha predomina, sendo 27% sintética e 14% natural. O negro de fumo constitui 28% da composição. Os derivados de petróleo e produtos químicos respondem por 17%, o material metálico (ou aço) por 10% e o têxtil por 4%. Até aqui, além da possível novidade de informação sobre os demais componentes, fora a borracha e materiais metálicos, devemos nos preocupar principalmente com o chamado negro de fumo. Essa substância, que é na verdade um resíduo de combustão incompleta, serve como material de carga (melhora a resistência) e como corante da borracha. O fato é que esse componente possui propriedades carcinogênicas, entre outros riscos ambientais, que já qualificam o pneu como não apto ao (re)uso como canteiros de plantas e brinquedos, pois, a sua liberação ocorre sem a necessidade de combustão e/ou ação de substâncias químicas. O mesmo é liberado pelo simples toque e atenuado por ação de intempéries. Soma-se a isso a questão legal, que determina que esses produtos devem ser, após o seu uso como pneumático, encaminhados por logística reversa aos fabricantes para a sua destinação adequada à reciclagem.
Para a indústria é até interessante um Pinterest bombando de ideias para serem feitas com pneus. Libera ela dos gastos da logística reversa. Para a sociedade, não é. O papel da escola está justo aí, como mediadora entre a comunidade e a indústria, para ir a fundo nessas discussões, e se posicionar quanto ao que vale ou não vale a pena, ou pode ser reproduzido no campo da educação ambiental.
Indo além dos resíduos, temos o uso de materiais, como o EVA, por exemplo, que já vem sendo banido das escolas bem informadas, que puderam refletir sobre o impacto do microplástico gerado por cada obra que picota esse material e libera para a natureza seus resíduos não recicláveis nem biodegradáveis. Esse é um ótimo exemplo para essa reflexão. Se vamos promover manualidades, arte e artesanato, devemos sempre escolher materiais que sejam o mais biodegradável possível, já que sabemos que essas produções sazonais têm vida curta, cumprem sua missão, lotam apartamentos do pais corujas, mas acabam sempre no mesmo lugar: no aterro (na melhor das hipóteses). Que tintas estamos usando? Que materiais plásticos? Massinha biodegradável e argila, ou derivados de petróleo como os amados slimes?
E os resíduos da pandemia? Os materiais contaminados, as máscaras e os descartáveis médicos, onde está ou irá parar tudo isso na nossa região?
Finalmente, neste 2021, em tempos de pandemia, desesperança política e retrocesso, o que podemos celebrar sobre o meio ambiente? Ainda estamos aqui e mantemos nossa capacidade de aprender. A vida nos lança desafios que jamais imaginamos viver, e com eles podemos ser resilientes e resistentes. Ir mais afundo, sermos autocríticos, conectar os pontos. A sobrevivência de todos depende de cada um de nós, nunca foi tão claro.
(*) Anna Milanez (Anninha para nós) é ex-aluna da Projeto (terminou a 4ªsérie em 1995) e filha da Ana Isabel, professora e coordenadora da educação infantil da escola por vários anos. É Bióloga, formada pela UFRGS, já atuou na escola como assessora de projetos de Ed. Ambiental por alguns anos e dois de seus filhos – Lui e Lua – estudaram conosco. Fábio Rodriguez , seu companheiro, é Engenheiro Agrônomo, formado pela UFRGS. Trabalhou como consultor ambiental, auditor de certificação de produtos orgânicos e atualmente atua como consultor na área de agricultura orgânica.
Para saber mais:
Lei 9795 Política Nacional sobre Educação Ambiental: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm
Política Nacional de Resíduos Sólidos: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm
Reciclagem do Tetra Pak: https://www.tetrapak.com/pt-br/sustainability/reciclagem-no-brasil
Microplástico: https://www.ecycle.com.br/microplastico/
Microplástico na placenta humana: https://www.theguardian.com/environment/2020/dec/22/microplastics-revealed-in-placentas-unborn-babies
Normas da ABNT que classifica resíduos sólidos: https://analiticaqmcresiduos.paginas.ufsc.br/files/2014/07/Nbr-10004-2004-Classificacao-De-Residuos-Solidos.pdf
Pneus: https://www.fiesp.com.br/sinpec/sobre-o-sinpec/historia-do-pneu/fabricacao/#:~:text=No%20pneu%20de%20passeio%2C%20a,e%20o%20t%C3%AAxtil%20por%204%25.
Negro de fumo: http://www.basilequimica.com.br/wp-content/uploads/2017/05/009-FICHA-QU%C3%8DMICA-NEGRO-DE-FUMO-Rev.04.pdf
https://www.abtb.com.br/noticia/conheca-um-dos-produtos-mais-utilizados-no-mundo-o-negro-de-fumo#:~:text=O%20negro%20de%20fumo%20%C3%A9,de%20%C3%B3leos%20ricos%20em%20hidrocarbonetos