Julio Cesar Walz **
O papel de intermediadores é uma tarefa preciosa e fundamental, que compete aos pais e a todos os outros cuidadores.
A vida é uma contínua força de crescimento e mudança. E até que alguém possa atingir uma certa estabilidade psíquica, se assim podemos dizer, são necessários muitos e longos anos. Muitas pontes precisam ser construídas e experimentadas. Aliás, o ser humano, do ponto de vista cronológico, necessita de pelo menos vinte e cinco a trinta anos para se tornar relativamente adulto. O que, em comparação com outros animais, não é pouca coisa. Mas para que esse processo aconteça a criança necessita de ajuda. Ajuda quer dizer: não permitir que ela fique lançada ao infinito por longo tempo. Necessita de pontes emocionais e concretas para que, no ir e vir da relação consigo e com o seu meio, ela não fique presa ao excesso impactante da realidade e das instabilidades normais de uma vida.
(…)
Destaquei no começo do livro que no existir de uma criança as histórias ganham nova vida e começam a habitar a casa. As fadas ganham espaço e lugar. Os contos de fadas entram em cena. Essas narrativas fascinam as crianças em todos os tempos. Por que essas construções da imaginação humana cativam tanto as crianças como os adultos?
Bruno Bettelheim, em seu magnífico livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, apresenta-nos uma leitura importante neste sentido. Ele nos mostra que os contos de fadas e muitas outras histórias ajudam a dominar e a elaborar os problemas psicológicos inerentes ao crescimento. Estes problemas podem ser descritos como:
a) as decepções, quaisquer que sejam;
b) os dilemas nas relações de amor e ódio com o pai e a mãe;
c) as rivalidades fraternas;
d) o medo de crescer pela expansão do mundo;
e) o medo da perda do corpo infantil e dos pais infantis.
Essa elaboração justamente se dá porque as histórias são um campo neutro ou de imaginação, onde os embates acontecem e a criança as vive sem assumi-las como sendo suas. É como o sonhar: no sonho vivemos nossos desejos, mas os vivemos como se não fossem nossos. E muitos sonhos têm essa mesma capacidade de elaboração. É claro que como adultos precisamos saber que nossos sonhos são nossas criações.
Ou seja, as histórias ajudam a criança a perceber o que se passa em seu inconsciente, não por meio de uma compreensão consciente e elaborada, mas pela familiaridade desses processos normais e intrínsecos ao desenvolvimento. Além disso, ajudam a criança a reorganizar sua atividade mental. Como disse Bettelheim em relação aos contos de fada:
“[…] a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à vida.”
Por isso, as crianças também criam histórias. Adoram escutá-las e querem repetidamente ouvir a mesma história ou assistir a mesma fita de vídeo, inclusive para elaborar o lado mais sombrio do ser humano, que são as relações de ódio, morte e perdas.
* Trecho do livro Aprendendo a lidar com os medos – A arte de cuidar das crianças (pág. 37 a 40), o qual se encontra esgotado, na quarta edição, disponível somente em ebook/kindle: www.criandoconsciencia.com.br. Com autorização do autor, seguiremos publicando neste blog, ao longo de todo o ano, alguns trechos selecionados desse livro, falando sobre os medos infantis e as formas de lidar com eles. Não deixe de acompanhar!
** Pai de ex-alunos da Projeto, Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Ciências Médicas/UFRGS – HCPA e autor do livro citado.