Julio Cesar Walz (**)
Uma das tarefas dos cuidadores, sejam eles pais, avós, professores ou qualquer outra pessoa que ocupe esse lugar, é ajudar as crianças a fazerem a ponte entre a vida mental e a realidade do crescimento e da vida. Não se trata de fazer por elas. Não se trata de substituir o trabalho delas. Trata-se, quando necessário, de estar próximo e ajudá-las emocionalmente em seu longo e lento período de des-envolvimento.
Esse é um ponto muito importante como contribuição na educação de uma criança, justamente para que ela não necessite ficar presa ou desenvolver um medo muito intenso do próprio viver, em razão dos excessos e das intensidades. Não se trata de um esforço de ensinar por meio de conselhos. Trata-se de uma atitude emocional de proximidade quando necessária. A presença de um adulto permite à criança se situar e não se sentir tão perdida na imensidão do universo da vida. Grande parte desse processo consiste no brincar, contar histórias, silenciar, dar a mão, dizer não, tolerar a dúvida ou algum erro. Tudo isso traduzido em paciência e permanência ao lado dos que estão em crescimento. E o crescer assusta, pois implica separação e ampliação de horizontes. Não se esqueça: paciência e tempo são virtudes raras e muito custosas em nossos dias.
O medo que uma criança sente, por exemplo, desafia o adulto em sua paciência. Justamente porque o medo paralisa temporariamente a execução de qualquer ação, de qualquer caminhada. O adulto precisa parar e cuidar. Aqui reside este imenso desafio em nossos dias: fazer um adulto parar com suas supostas obrigações e estender o olhar e a mão àquele que está crescendo. Tal parada gera, em muitos lares, o desafeto, a raiva, o sentimento de que a criança tem problemas e, por isso, acaba ferindo a autoestima dos pais.
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Estima-se que noventa por cento das crianças normais apresentam ou desenvolvem medos adequados à sua idade. Desses, cinquenta por cento apresentam medos de cães, escuro, trovão e fantasma. Ou seja, o medo pode ser considerado um traço normal e até saudável quando surge no período adequado do desenvolvimento da criança ou quando está relacionado à sobrevivência. É importante considerar também se não há um prolongamento muito grande do medo ou se ele não limita exageradamente a vida cotidiana da criança.
Gostaria de ressaltar os dois medos que considero decisivos: ansiedade de separação e de castração. Esses dois medos, ou ansiedades, estarão sempre presentes em menor ou maior grau na vida de qualquer ser humano durante o seu desenvolvimento e sua vida adulta. Mas o aspecto importante está em que os cuidadores possam identificá-los e construir uma atitude continente nesse processo. Eles precisam ser pacientes e criativos o suficiente para favorecer as pontes mentais para aqueles que são cuidados. Pontes são aquelas atitudes ou palavras que ajudam na transição, na passagem, na construção.
A ansiedade de separação decorre de qualquer distanciamento em relação aos pais e envolve simultaneamente algum processo de crescimento. Crescer é separar-se. É o des-envolvimento. Adquirir a capacidade de engatinhar é um crescimento – um aumento na distância entre os pais e a criança, pois ela sozinha pode ir aonde desejar. Reparem se, ao começar a engatinhar, a criança não para durante o percurso e olha para trás para tentar localizar os pais. Podemos denominar essa atitude como uma ansiedade de separação normal e que dá a ideia de que a criança está sentindo seu crescimento.
A ansiedade de castração é um processo que surge mais intensamente a partir dos três anos e decorre da experiência gradual e crescente da diferenciação sexual e da percepção definitiva da experiência do tempo, enquanto linha de continuidade e de finitude. Geralmente essa ansiedade aparece como medo de doença, morte, castigo intenso e fobias. Esses medos, nessa faixa etária, decorrem também do sentimento de culpa oriundo do próprio desenvolvimento sexual. Muitas crianças têm a ideia de que podem ser castigadas a qualquer minuto por um adulto. É uma fase de muitas curiosidades e descobertas, ou seja, de grande intensidade. E, por isso, também sujeita à sensação de castigo, oriunda da culpa por querer saber muitas coisas, inclusive aquelas proibidas e de caráter sexual. Quando falo de caráter sexual, quero dizer: a criança percebe que o sexo oposto é diferente do dele, especialmente pela anatomia. Dessa percepção, muitas vezes, decorre uma vontade da criança de querer examinar ou mostrar essa diferença, por exemplo. Essas manifestações são corriqueiras e comuns a todas as crianças, em maior ou menor grau, e angustiam os adultos, que, às vezes, respondem a essa curiosidade com agressividade ou mesmo indiferença. Nenhuma das duas atitudes está correta. Você deve sentar com a criança e dar alguns limites, por exemplo, não deixar que ela mostre seus genitais o tempo todo ou, no caso de um guri, que ele fique puxando os vestidinhos das meninas. Mas destaco: a criança, ao manifestar essas condutas, não revela nenhum sinal de perversidade. Se o processo está dentro da normalidade, passará com o tempo, especialmente se o adulto puder dar continência e interditar sem o excessivo sentimento de transtorno ou aborrecimento da sua parte. O excessivo pode ser medido por agressões e castigos desproporcionais. Dar o limite é para que a situação pare. Apenas isso. O parar ajuda a criança a pensar, alterar o comportamento. E não está ancorado na ideia de que ela é má.
Além de marcar essas duas ansiedades, gostaria de terminar este capítulo com algumas dicas que podem ajudar os cuidadores em sua observação e, quem sabe, em algum tipo de intervenção:
· Não zombe de seu filho e de sua filha. Não se esqueça que você, adulto, também tem medos. O medo faz parte da vida humana.
· Medo não é sinal de fragilidade ou algum distúrbio. O medo dos filhos pode incomodar os pais porque parece irreal, fora de propósito e exige que eles se dediquem aos filhos em situações que, às vezes, os tiram da rotina e consomem tempo que não podem ou não querem dispor. Por exemplo, dormir com a criança para acalmá-la.
· Os medos podem ser divididos em dois tipos: medos reais e irreais. Geralmente a intensidade do medo nas crianças revela que, apesar de ela ter medo de cachorro, por exemplo, a intensidade desse medo não condiz com nenhuma experiência desagradável ou forte que ela possa ter vivido. Por isso, medos reais e irreais na infância nem sempre são facilmente diferenciados. E mais: normalmente os medos das crianças estão construídos por uma intensidade psíquica em face ao seu processo de desenvolvimento. Destaco que a presença do adulto cuidador pode favorecer para que a experiência do medo não paralise a vida da criança. Intensidade em demasia é paralisante.
· Não exponha seu filho e sua filha à fonte de medo através da força. Converse e, caso a criança queira enfrentar a situação, diga que você irá acompanhá-la. Mostre que estará junto dela e que ela pode segurar a sua mão ou algo parecido.
· Às vezes, os medos infantis passam despercebidos, porque a criança reage a eles com uma atitude de superioridade ou mesmo de negação. Com isso, ela oculta seus temores, afirmando que não tem medo ou mostrando uma atitude de desvalorização do objeto ao qual teme. Diz algo do tipo: “As bruxas ou fantasmas não existem”. Mas você percebe que esse assunto incomoda a criança.
· Alguns sinais de que as crianças estão camuflando os medos podem ser encontrados quando: ela revela uma atitude por demais derrotista; apresenta uma hiperatividade durante o dia, especialmente na parte da manhã; apresenta uma inibição escolar; dificuldade no dormir.
· Somente se poderá caracterizar algum medo como distúrbio quando ele acometer a criança por um longo período de tempo e inibir seu crescimento ou lhe trouxer apatia e recolhimento constantes.
· Alguns aspectos relacionados à depressão na infância podem ter origem na ansiedade de separação ou na camuflagem do medo. Seu diagnóstico precisa ter no mínimo dois a três destes sintomas a seguir:
- Problemas com o sono: dificuldade de dormir ou acordar seguidamente no meio da noite.
- Problemas com a alimentação: superalimentação ou perda de apetite, resultando em grande ganho ou perda de peso em curto espaço de tempo.
- Falta de prazer: falta de prazer em atividades antes apreciadas.
- Hiperatividade: aumento no nível de atividade corporal ou de fala, acompanhado de grande dispersão e desconcentração.
- Maior agressividade: brigas constantes ou repetidas com amigos da escola, vizinhos ou em casa com os pais. Não se esqueça de que toda briga e agressividade revelam que a palavra deixou de operar como mediadora naquele instante e que, nesse momento, o adulto é chamado a agir com a operação da palavra. Muitas vezes, não é simples nem fácil trazer a palavra para a situação de conflito. Isso pode exigir a criação de estratégias e firmeza temporária, por exemplo: dar uma pausa, separar os agressores e chamar as partes posteriormente para um diálogo para esclarecer o que ocorreu.
(*) Trecho do livro Aprendendo a lidar com os medos – A arte de cuidar das crianças (excertos das páginas 69/70 e 107/112), o qual se encontra esgotado, na quarta edição, disponível somente em ebook/kindle: www.criandoconsciencia.com.br. Com autorização do autor, seguiremos publicando neste blog, ao longo de todo o ano, alguns trechos selecionados desse livro, falando sobre os medos infantis e as formas de lidar com eles. Não deixe de acompanhar!
(**) Pai de ex-alunos da Projeto, Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Ciências Médicas/UFRGS – HCPA e autor do livro citado.