Beth Baldi (*)
Ouvi, encantada, há tempos atrás (**), o escritor, jornalista e professor argentino Mempo Giardinelli falar sobre essa construção tão necessária. Dizia ele: “Não precisa mais que amor, tempo e desejo de ler e compartilhar para construir uma sociedade leitora e é urgente começarmos o quanto antes, pois uma sociedade sem leitores, que não lê, é uma sociedade condenada ao suicídio cultural”.
Neste momento, quando está de volta a Feira do Livro à nossa cidade, agora em sua 68ª edição, e quando precisamos todos e todas nos inserirmos num movimento de reconstrução do país, especialmente na área da educação, retomar essa ideia é tão inevitável quanto imprescindível.
Interceder pelo acesso ao livro e à leitura para todos(as), sobretudo nas escolas (e em todas elas!), mas não só: também em praças, bibliotecas, clubes, salas de espera, transportes coletivos, empresas ou quaisquer outros lugares em que a atividade seja possível, é uma luta que deve ser incessante e não só de professores(as), livreiros(as), editores(as), autores(as), ilustradores(as) e especialistas da área, mas de todos(as) os(as) cidadãos(ãs), de um jeito que “torne a leitura uma atividade natural, da vida”, que se faz todos os dias… Quem sabe 3 minutos de leitura, por exemplo, numa comunidade inteira, numa cidade inteira, para começar cada dia? Já imaginou?
O próprio Mempo sempre trabalhou para a formação de leitores, seja escrevendo ou fazendo palestras e provocações a professores(as) e bibliotecários(as), seja desenvolvendo, junto à fundação que leva seu nome, atividades nessa direção. Um programa chamado “Avós Contam Contos”, por exemplo, que existe há muito tempo em seu país e que garante que uma vez por semana as avós vão ler histórias em escolas e outras instituições, ilustra bem o que se pode fazer. Não há um centavo de investimento, só amor e tempo, que as avós às vezes têm de sobra. Em contrapartida, com essa atividade, elas ressignificam sua função, numa sociedade que normalmente as coloca como “descartáveis”.
Outro questionamento bem ilustrativo que ele faz é sobre os horários de funcionamento de uma biblioteca e de um shopping center, bem como sobre as características físicas desses dois ambientes: “Quem vai querer ler numa biblioteca escura, fechada, opressiva e feia? A maior parte delas, sendo assim, expulsa os leitores, em vez de atraí-los! Por que elas não são espaços abertos, bem iluminados, alegres e bonitos, convidativos como um shopping center, por exemplo?”
Quanto às queixas de muitas escolas sobre os jovens não gostarem de ler, dispara: “Quem não gosta de ler são os adultos!” Conta que nunca viu uma criança ou jovem dizer que não quer ouvir uma história, diante de um oferecimento para contar-lhe. Defende que só se poderá enamorar as crianças e jovens da literatura estando nós mesmos(as) enamorados(as) dela. E coloca por terra os argumentos de quem lhe diz que não lê por falta de tempo ou porque o livro é caro, lembrando que ele custa o mesmo que uma pizza e que a leitura de um poema, por exemplo, não leva mais de 1 minuto e meio, e a de um conto talvez 5 ou 10 min, enquanto a televisão, em nossas casas, toma a nossa atenção por horas a fio.
Pensando a leitura como a ampliação da capacidade de amor, inclusive de uma sociedade, Mempo afirma, ainda, que o melhor caminho, talvez o único, para formarmos esses leitores que queremos seja LER PARA ELES. Não falar de leitura, fazer análises ou classificações, mas LER! Claro que é importante também “eleger bem o que se lê e ler bem, com gosto, com elegância, enamorados(as)!”.
Mas, de qualquer modo, “Ler em voz alta pode ser uma revolução! É um trabalho fantástico e baratíssimo!” – ele nos ensina, finalmente. E nos convida a experimentar em casa: “Façam a prova! Em algum momento, à noite, desliguem a TV e leiam com quem estiver por perto – companheiro/a, filhos/as, avôs/avós, irmãos/ãs – um poema, um conto, qualquer coisa de que gostem. Não precisa ser mais de 10 min, no começo até menos – 2, 3, 4 min. Façam isso vários dias seguidos e vão ver que, depois de um tempo, se não o fizerem, alguém vai reclamar: Por que não tem leitura hoje?”
E, então, que tal uma leitura aí? Que tal um passeio à feira para escolher com seu(sua) filho(a), sobrinho(a), amigo(a), companheiro(a) algo para lerem juntos(as)?
(*) Diretora pedagógica da Projeto.
(**) Foi numa palestra sua, que abriu o Seminário Internacional: O papel da biblioteca e da leitura no desenvolvimento da sociedade, no teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, dentro da programação da 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 7/11/2014. Para saber mais sobre o escritor, acesse: www.mempogiardinelli.org.