Deborah Vier Fischer
Era o ano de 1989, dezembro, último dia de aula. Final do primeiro ano de vida da Projeto.
Chego à escola para buscar meu filho, o Tiago, aluno da Projeto desde o seu início. Encontro com a Neca Baldi no portão (naquele tempo só havia uma unidade, a da Paulino Teixeira). Era o primeiro ano da Escola Projeto e o meu último ano do curso de Pedagogia. Combinação perfeita – pensei – pelo menos para mim: eu, saindo da universidade, cheia de energia, sedenta por ver em ação as tantas coisas que havia aprendido e as outras tantas que rondavam as minhas ideias sem descanso, e a Projeto iniciando suas atividades, com tantas e tantas possibilidades e espaços para criação. Eu, mãe e futura pedagoga inquieta, e a escola como o lugar para, quem sabe, abrigar as minhas inquietudes em relação à educação. A Projeto como a escola do Tiago e, quem sabe, a minha futura escola. De minha parte, estava tudo certo. Faltava agora comunicar à Neca a minha intenção e aguardar, ansiosa, a sua resposta.
Encho-me de coragem, estufo o peito, respiro fundo. A garganta seca, mas estou decidida, não tem volta. Eu e a Projeto, eu mãe e professora, meu desejo. Sem pestanejar, mas tensa e com um misto de receio e vergonha, avanço em direção à Neca, que me recebe com um sorriso e com aquele olhar que a gente tão bem conhece, de quem está sempre pronta para ouvir, mesmo sem saber ao certo o que virá. E o momento derradeiro acontece ali, no portão, em meio às famílias que chegavam também para buscar seus filhos e filhas. Um tanto desajeitada e afoita, lanço a pergunta:
– Neca, mãe tem chance de ser professora nesta escola?
Neca me olha e, no instante seguinte, responde:
– Olha, eu nunca havia pensado nisso. Por que, tens interesse?
– Eu? Muuuito! Lógico! Claro! – respondo.
Então, a Neca promete conversar com as gurias – as irmãs Baldi – e me dar um retorno. Pergunta, acredito eu, mostrando algum interesse:
– Estarás por aqui nos próximos dias?
– Vou passar as festas de final de ano em Estrela, cidade da minha família, mas te deixo o telefone, pode ser? – respondo, faceira.
Depois da resposta afirmativa, passo meus contatos rapidamente. Telefone fixo, que era moda na época. E aguardo…
Passam-se os dias. Eu, em Estrela. Passam-se as festas de final de ano, Natal, Ano Novo. Chega a primeira semana de janeiro. Toca o telefone. Atendo e ouço:
– Oi Deborah, é a Neca!
Tensão. Coração disparado. Conversa breve e objetiva. Neca diz:
– Falei com as gurias, conversamos bastante. Pensamos muito em ti e no Tiago. Gostaríamos muito de te ter aqui conosco, mas não queríamos prejudicar o teu filho. Como te imaginas aqui na Projeto como mãe e professora? Não seria o caso de teres outras experiências antes de trabalhar conosco? Quem sabe um trabalho em escola pública, para conheceres outras realidades?
– Eu acho que seria ótimo – respondo ofegante – estar com vocês, aprender com vocês, quero isso mais do que tudo. Preciso de experiência e ela pode ser na rede pública ou também na rede privada, mas neste caso, eu quero a Projeto! O Tiago? Tenho certeza que não será prejudicado. Converso com ele. Explico a situação. Acho que ele vai gostar. Quero muito esse emprego!
– Então vem no dia tal, em tal horário – diz a Neca – tu serás nossa professora!
Este texto foi escrito pela primeira vez em 2011. Na época faziam vinte e dois anos desde o dia aquele do anúncio no portão da escola sobre o meu desejo de fazer parte da história da Projeto. Uma história que tem início, meio e não tem fim, pelo menos não por enquanto. E ela segue firme, neste momento ainda mais, em que chegamos aos trinta anos. Uma história que continua acontecendo a cada dia em que venho para a escola e a cada (re)encontro com minhas memórias deste projeto em construção.
Hoje, não mais como professora, mas como coordenadora geral da escola, tenho a Neca e a Beth como parceiras muito próximas, quase irmãs, afinal, temos uma vida juntas e muita história para contar. Não sou da família Baldi, mas meu sobrenome é Projeto. Busco, em cada contato que faço, com famílias que vêm conhecer a escola, ou com as que já estão conosco, com as demais coordenadoras, os professores e as professoras que se juntam a nós, com a equipe do administrativo, enfim com as várias pessoas que tornam possível a escola acontecer, manter o brilho no olho e a mesma energia, vibração e coragem que senti naquele janeiro de 1990, quando pisei pela primeira vez na Projeto, para assumir um lugar na docência. Lugar esse, tão almejado, sonhado e conquistado, que começou em uma simples, porém, certeira, conversa de portão.
Texto atualizado em 7/06/2018.