Denise Balem Yates (*)
Na terça-feira, 05/07/2022, eu e o Luiz Fernando Varela, pais participantes do Comitê de Saúde da Escola Projeto, fomos à Unidade 1 conversar com as crianças sobre a Covid-19, as mudanças que afetaram as vidas de todos e o momento atual da pandemia. Acredito que a experiência foi bem mais rica para nós, adultos “de fora”, do que para as crianças e suas professoras.
Começamos por uma roda com o Grupo 5, que nos acolheu muito afetuosamente. As crianças levantavam os dedos para fazer questões. Estávamos esperando perguntas sobre o vírus, mas a primeira informação que recebemos foi que uma das alunas havia perdido o dente naquele mesmo dia. Surpresos, fomos ouvindo uma série de relatos de dentes que estavam caindo ou para cair, de dedos quebrados, cortes, quedas, resfriados e também de pesadelos e medos de monstros à noite. Luiz também respondeu perguntas sobre cogumelos venenosos e como os ossos são por dentro. Falamos um pouco sobre o quanto aquelas falas traziam questões sobre cuidados com o corpo e medos que apareciam à noite. Falamos sobre a alegria de poder estar de volta ao convívio presencial e como as gripes e machucados faziam parte da vida – e que o corpo consegue superar essas situações, com cuidados e proteção.
A visita durou 30 minutos, mas na despedida ainda havia dedinhos levantados. Para mim foi uma surpresa ver o quanto a roda ainda poderia ir longe, com histórias e perguntas que aparentemente não se relacionavam, mas que na verdade tinham tudo a ver. Alguns não conseguiram falar o que estavam sentindo, mas manifestavam com o corpo que os assuntos mobilizavam bastante. E vários falaram sobre como era bom poder estar na escola novamente, abraçando os colegas e brincando.
Na visita seguinte, aos grupos 3 e 4, novamente fomos muito bem acolhidos. As crianças haviam escutado a história do livro “Abaixo das canelas” e nos recontaram as principais partes. [De forma bem resumida: um povo tinha o costume de usar sapatos em quaisquer circunstâncias. Podiam andar nus pela rua, mas não sem sapatos. Após a pergunta de um aluno, um professor decidiu investigar o porquê desse hábito. Acabou descobrindo que isso começou na época em que havia uma erva rasteira venenosa que atacava o solo e feria os pés das pessoas. Tempos depois a erva deixou de existir, mas as pessoas continuaram usando sapatos – e passaram a usar uma razão “moral” para isso (seria “errado”, indecente não usar)].
As crianças falaram sobre como a mudança de comportamento dos personagens não foi tão rápida após a descoberta – eles foram se experimentando aos poucos com sandálias, chinelos, até ter coragem de andar descalços. Da mesma forma, nós estamos nos experimentando em uma nova fase da pandemia – cada criança e cada família vai descobrindo o ritmo que lhe parece mais seguro e confortável para estabelecer formas de cuidado apropriadas para este momento. Novamente, mais relatos sobre gripes, machucados, medos. As crianças dos grupos 3 e 4 manifestavam com o corpo, ainda mais do que o grupo anterior, como estavam se sentindo. Ao final, nos deram cartões de agradecimento, com desenhos nos representando.
A sensação na saída era de uma “injeção de vitalidade”. As crianças são tão espontâneas e diretas em suas manifestações que é muito difícil ficar indiferente. Talvez nossa conversa tenha sido muito breve, mas acho que só ter um espaço para compartilhar as experiências e os medos faz estes ficarem menores. Sei que certamente foi isso o que aconteceu comigo: vendo as crianças falarem com tanta naturalidade sobre a pandemia e os riscos do dia a dia, meus receios quanto aos efeitos da pandemia entre as crianças da escola ficaram menores. Com certeza os efeitos estão aí, mas poder falar sobre eles já auxilia muito no processo de elaborá-los. Por mais momentos de trocas como esses!
(*) Psicóloga e mãe do Kauan, da turma 12.