Deborah Vier Fischer (1)
“Educar é um ato heroico em qualquer cultura” (2).
Daniel Munduruku, escritor e filósofo indígena, tem habitado minhas ideias, meus pensamentos, nos últimos tempos, em especial. Tem sido uma boa companhia de cabeceira para tentar entender o que se passa em nosso país, especialmente em relação aos modos como a educação vem sendo tratada.
Não, não vou fazer política. Não vou falar de política. Não vou acusar um ou outro governante. Quero apenas parceria para pensar e conversar. Quero conversar sobre cultivo, sobre cultura, quero pensar sobre cultivar escolas. Proponho, então, uma conversação.
Tomo a noção de cultivo do próprio Munduruku, quando a relaciona com a ideia de uma sociedade que, cuidando dos seus membros, educa. E educa acreditando que todos e todas são responsáveis e participantes. Que as noções básicas da vida passam pela ideia de cuidado e de compartilhamento, sem separações, hierarquizações, categorizações, afinal, se tem algo que nos une e nos aproxima é o fato de que somos gente(s). E isso conta mais do que tudo.
Cultivar escolas, nessa perspectiva, passa a ser um ato político. Uma noção de pertencimento, em que o estar junto, o pensar em parceria e de modos diferentes alimenta esse cultivo e produz vida, permite a invenção, a criação. Vidas que vivem para viver, diria o autor.
Mas, não parece ser esse o convite para pensar a educação em tempos atuais. A ideia de cultivo tem se afastado tanto! No lugar dela, uma racionalidade absurda. Uma crença na possibilidade de controlar mentes, de alinhar pensamentos, de apagar culturas, de esquecer o país multiétnico que somos. Um desinvestimento de todas as formas, de todos os jeitos possíveis. E qual a saída?
Creio que é jamais desistir de lutar pelo que se acredita. Jamais silenciar. É manter a teia que nos sustenta, conectada, fio por fio, formando uma enorme rede de saberes, diversos, dinâmicos, vivos. E a escola, esse espaço em que circulam tantos saberes, local de encontro de sujeitos tão diferentes entre si e, por vezes, tão parecidos em suas necessidades e desejos, tem a força para manter a teia estendida, mesmo que, vez ou outra, um fio, de maior ou menor extensão, escape aqui ou ali.
Cultivar escolas pode ser um modo de manter vivas as nossas crenças e de renovar a nossa relação com aquilo que acreditamos. Um modo de compartilhar experiências, mostrando que é possível viver e ser feliz, aprender e se manter diferente. E isso se dá no hoje, no presente. É aqui, é agora. É uma urgência, a fim de que a negatividade e a tristeza que nos rondam possam ser confrontadas com gestos que tornem possível pensar a escola e a educação como potências, como movimentos de forças que têm na preservação da cultura e na ideia de cultivo a manutenção da vida de um povo, de toda uma nação, do nosso Brasil.
(1) Coordenadora Geral da Projeto.
(2) Mundurukando, de Daniel Munduruku, São Paulo: Ed. do Brasil, 2010.