Artur Gomes de Morais (*)
Quando, às carreiras, coloco um bilhete preso com imã, na porta da geladeira, não tenho nenhum cuidado em escrever certinho. Uma vez tomei consciência disso e olhei pro produto, ao final, lá encontrando:
Querida
as meninas chegam mais tarde
deixei uma chave no jarro junto do tapete
beijos A.
Analisando, me deparei com aquilo que meus professores, nos anos 1960 e 70, não gostariam de ver: nenhum ponto, nada de vírgula, pouca letra maiúscula… e me dei conta de que eu estava certíssimo em registrar meu bilhete daquele jeito. Sabem por quê? Eu estava escrevendo no espaço doméstico, dando um recado para minha esposa e, portanto, primar por aquelas convenções de correção era algo absolutamente desnecessário. Se eu estivesse na universidade, meu local de trabalho, e fosse deixar um recado para os colegas, num painel que lá temos, em nossa sala de reuniões, certamente teria sido mais cuidadoso.
Sim! Os escritos que produzimos precisam ou não seguir as convenções (ortográficas, de concordância e de pontuação) conforme as finalidades que cumprem, os espaços em que circulam e os interlocutores a quem nos dirigimos. Em casa ou entre íntimos é uma situação. No espaço público mais formal, a coisa muda de figura.
E na escola? Quando eu era criança, escrevíamos “redações” para sermos avaliados e não para comunicar algo que pensávamos, sabíamos ou desejávamos. Nosso interlocutor era o lápis vermelho da professora, o que tornava o ato de escrever amedrontador e nada prazeroso para a maioria dos aprendizes. Para não errar muito (e vir a ser punido), escrevíamos pouco e entregávamos nossos escritos com medo, sem poder consultar um dicionário ou pedir ajuda, caso tivéssemos dúvida sobre a forma de grafar uma palavra. Se, infelizmente, em diversas escolas tradicionais, esse tipo de terrorismo ainda é praticado, nas instituições educativas mais respeitosas e construtivistas a coisa tem mudado.
Para criar um texto de determinado gênero escrito (por exemplo, história, notícia, relatório, poesia ou convite), levamos em conta, hoje, que o aprendiz precisa de bons modelos. Assim, ler e analisar o que produziram escritores experientes é um primeiro passo para que a criança se familiarize com a forma e o “jeitão” do texto que vai estar escrevendo daqui a uns dias. Mas, de uns anos para cá, sabemos, também, que ninguém pode ou deve produzir, “de primeira”, um texto em sua forma final. Escrever é um ir e voltar, é refazer, reescrever. Revisar, para chegar à versão definitiva, que merece capricho, porque vai ser divulgada, vai ter leitores (os colegas da turma e do restante da escola, os familiares etc.) em lugar do lápis vermelho do professor.
Ao produzir o que agora vocês estão lendo, juro que “fui e parei”, reli, dei voltas, apaguei na tela algo que tinha teclado, para poder prosseguir. E, em diversas ocasiões, busquei um tom que me parecesse mais adequado. Não poderia ser algo pouco planejado como o bilhete da geladeira, de que tratei logo no começo. Mas, tampouco, poderia ser algo muito formal. Penso que a adequação à situação comunicativa e aos propósitos que ela cumpre deve funcionar como a bússola para o cuidado que temos com a aparência final de nossos escritos. Para ser bem redigido, nada tem que ser exageradamente formal. Pensem que, se eu tivesse usado um tom mais carregado e, por exemplo, cheio de mesóclises (do tipo “Poder-se-ia pensar, então…”) seria visto por vocês como esnobe, pedante ou “démodé”. E isso, sem dúvida, já seria uma temeridade, concordam?
(*) Professor titular do Centro de Educação da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).