Graça Machado (*)
Dia desses estava sentada em um dos grupos de minha sala, na hora de um daqueles recreios de dia de chuva, escrevendo um bilhete para a família de um aluno. Não lembro para quem era, mas lembro que não se tratava de boa coisa. Então, fui surpreendida pela pergunta de um aluno que estava sentado na minha frente: “Profe, tu é feliz?” Sem pensar ou levantar a cabeça para olhar para ele, respondi: “De vez em quando, João, de vez em quando”.
Imediatamente, senti um desconforto ao ouvir minha própria voz dizendo aquilo e, na hora, dirigi o olhar para ele. Meus olhos encontraram os dele parados, me olhando, e eu em dúvida: “Humm, será que dei a melhor resposta?” Ora, falara a verdade. Como me olhava com uma expressão de quem espera explicações, prossegui, aproveitando a oportunidade de melhorar a primeira resposta. “É, João, de vez em quando”. Desta vez falei numa entonação que soava quase como um pedido de desculpas, quase dizendo sinto muito João, mas a verdade é esta: eu sou feliz só de vez em quando.
Ainda atrapalhada, emendei: “João, às vezes tô infeliz, às vezes mais ou menos e às vezes feliz”. Ele respondeu com um ah tá, balançando a cabeça com ar sério. Rapidamente tratei de sair dali para garantir o final da conversa e deixar para lá meu desconforto.
Contudo o desconforto não me deixou, pois a lembrança daquele papo e a sensação de dúvida sobre se havia dado a melhor resposta, permaneceram. Nos primeiros dias contei a algumas colegas como uma história engraçada, curiosa. Mas o que eu queria mesmo era saber se a resposta que eu tinha dado ao João causava nelas o mesmo desconforto que causara em mim. Nenhuma pareceu incomodada. Mas, e eu?
O fato é que aquela lembrança persistiu por semanas, recorrente, grave. Eu precisava saber o que afinal de contas me incomodava tanto naquela conversa. Que nervo estaria tão exposto a ponto de me fazer assim sensível.
Porém, aconteceu de um remédio milagroso surtir efeito: o tempo. Até que, noutro dia, também na hora do recreio, mas desta vez no pátio, ao sol, quando eu estava brincando com um aluno, João passou correndo por mim: “Profe, hoje tu tá feliz, né?” Sorri, e respondi: “É, João, hoje eu tô feliz!”
(*) Graça Machado é professora na Escola Projeto há vários anos, já tendo trabalhado com diferentes séries do ensino fundamental. Este texto é de 2011 e foi escrito a partir de uma mini oficina realizada com a equipe da escola e coordenada pelo cronista Rubem Penz (nosso colaborador neste blog).
Que olhar sensível Graça. As crianças tem muito para nos ensinar. Feliz são os adultos que gostam de aprender com elas. 🙂
Lindo relato Graça! Emocionei nesse fim aí!
= )
Texto poético. Lindo… E assim vamos ensinando a eles e a nós mesmos a complexidade de viver, aprender e ensinar. Que tenhas mais momentos felizes, Graça! Saudades.
Bj
Que bacana,,Graça! A vida como ela é!
Parabéns pela tua sensibilidade!
O maior mestre é o que segue aprendendo sempre. Obrigada por compartilhar essa doce aventura conosco! E essa criança…sem palavras…quanta sensibilidade! Amei o texto!
Que amor Graça! Super verdade, relato da nossa vida como ela é.
Vida real! Ameii 🙂
Graça, sendo Graça. Reflexiva, olhar crítico, pensamento que não descansa. Lindo texto.
Belo texto, Graça. Poético, sensível e sincero.
Quanta admiração tenho por esse olhar sensível… Por essa maneira tão verdadeira de falar com as crianças… Queria eu ter sido aluna dela.