Rubem Penz
Tem lambancinha?
Clara Penz
Está ali na epígrafe a primeira frase que minha filha falava quando chegava em uma festa de aniversário, no alto de seus dois anos de idade, mais ou menos. Não era boa tarde, onde está o aniversariante, olha o presente que eu trouxe, que festa linda, muito obrigada por me convidar ou qualquer outra coisa de igual a melhor. Para nossa vergonha, pais tão ciosos em ofertar boa educação, a espontaneidade infantil vencia sempre. Conferia, no âmbito da mercantilização dos aniversários infantis, com a cultura do lucro: no fim, o que vou levar com isso?
Mentiria feio se dissesse o clássico “no meu tempo era melhor”, porque os atuais salões de festas de aluguel se parecem com uma Disneylândia. Antes, eram primos e vizinhos (colegas, sim ou não) diante de uma mesa com cachorro quente, pizza feita em casa, sanduíches, canudos com guisado ou salada de batatas; negrinhos, branquinhos e uma torta. Para beber, Guaraná Frisante Polar. Para brincar, o pátio (se numa casa) ou o estacionamento (se num prédio); bola, corda, esconde-esconde, xerife e ladrão e o que mais pudéssemos inventar. Na casa dos mais ricos, talvez rolasse um show de mágica com o Tio Tony e sua assistente de palco anã. De lambancinha, costumava levar um joelho esfolado ou um hematoma. Ou ambos.
Tudo era precário, mas tinha lá uma vantagem: menos, muito menos drama.
Fico meio chocado com os dilemas da atualidade. Por exemplo: convidar todos os colegas, ou excluir alguns? Meus primos eram “inexcluíveis”, os vizinhos nem adiantava tentar – eram vizinhos, ficavam sabendo, apareceriam na cara dura. Sobrava o convite aos colegas mais próximos, poucos, sem nenhuma dor. Hoje, há poucos primos. Menos intimidade com vizinhos (saíamos porta afora, lá no pretérito). Sobraram, enfim, os colegas. E a dor: ninguém gosta da fulana, o fulano só briga, o outro nunca fala comigo… Aos pais, o peso de lidar com uma angústia nova.
Outra: tudo ficou muito caro! Se pestanejar, haverá duas festas por mês – haja presentes! Na infância, cansei de ganhar três jogos de pega-varetas e dois baralhos de mico-preto numa só tarde, e ninguém podia chiar. Vivemos o medo da desaprovação alheia (o que vão pensar?). Também uma escalada pela festa mais portentosa, com salão de maquiagem, palco de Karaokê, futebol na espuma… E haja lembrancinhas! Pode somar uma décima terceira mensalidade escolar para satisfazer a escalada de luxo. Ou a culpa.
Com facilidade poderia elencar outros aspectos, mas serão todos as faces de um só drama. Com o final poucas linhas adiante, neste instante, nessa altura do texto, podem existir leitores fazendo assim ou assado com a cabeça, todos ávidos por um conselho redentor, ou uma solução, no mínimo um consolo. E não há. Se correr o bicho pega; se ficar, ele come os brigadeiros (“negrinho” está caindo em desuso). As crianças fazem aniversário e os pais passam o cartão. Cartão? Isso! “No meu tempo”, lamentável mesmo era ganhar apenas um cartão, comprado na Livraria do Globo ou na Sulina.