Fernanda Lantz (*)
Nesses dias em que está tudo suspenso, quando a gente abre as portas da sacada a metáfora está ali, tão concreta quanto a saudade dos encontros e da liberdade de ir e vir.
No aniversário do Ber (já confinados há uns 13 dias), amigos amados da família da praça fizeram uma homenagem. Prenderam um fio entre a árvore e o poste, bem aqui, na frente de casa. No fio, uma faixa de parabéns e balões. Nos acordaram assim, cantando parabéns pelos 8 anos dele. Uma serenata de verdade.
Foi lindo, a gente ficou tão inundado que saiu pelos olhos. Deu uma reserva de amor e alegria que segue até hoje…
Durante esse dia, algumas pessoas que passavam na rua gritaram parabéns aqui pra cima. A gente corria na sacada, sorria e agradecia. No dia seguinte fomos acordados por um senhor rezando e desejando coisas boas pro aniversariante, lá da calçada.
Aí veio a chuva e desmanchou a faixa e os balões murcharam.
Mas as crianças seguiram. Abastecidas pelo amor da calçada, inventaram de aproveitar o fio pra fazer um varal de desenhos. Primeiro, colocaram os seus, com mensagens positivas. No outro dia, mais um bilhete informando que o varal era aberto e quem passasse poderia levar os desenhos pra alegrar sua casa e, se quisessem, pendurar desenhos ou escritos também.
Nossos amigos-família da praça passaram por aqui e deixaram coisas lindas.
A gente tem descido uns dias pro pátio do prediozinho, com uma mesa de cavaletes (pedaço de outros amigos amados da família da praça) e material de desenho. Desenhamos, enquanto tomamos sol. Quando vamos finalizando as produções, elas são presas no varal com prendedor de roupa (ou de fantasia).
Os vizinhos vão passando… Muitos param pra olhar os desenhos, conversam com as crianças. Levam um, elogiam, agradecem. Outros nem percebem.
De uns dias pra cá, alguém passou a desenhar no chão, com giz de quadro. São desenhos lindos. Corações, sorrisos, gatos, notas musicais, mulher grávida, coelhos!!
A chuva apaga. E no outro dia tem mais!
Às vezes, esses desenhos também são deixados no varal em papel de cifra de violão.
A gente não sabe quem faz. Mas as crianças desconfiam fortemente que seja o coelho da Páscoa. Realmente, tem aparecido sempre desenho de coelho e tem uma certa magia a forma repentina com que aparecem e desaparecem. Tem, na verdade, muita magia pensar que, antes de sair de casa, além da máscara e álcool gel, alguém coloca um giz no bolso.
Do lado de dentro da grade, os guris têm desenhado no chão com giz também, tentando reproduzir alguns desenhos feitos pelo coelho-desenhista-misterioso. A gente desenha também na porta da garagem e nos muros da nosso prediozinho da árvore.
Hoje, Vicente colheu um desses desenhos misteriosos do varal. Dobrou e colocou no bolso, mas acabou perdendo. E o desenho reapareceu ali, preso novamente no varal, dessa vez com quatro prendedores (pra ficar bem seguro, nos pareceu)! Junto surgiu um desenho de coelho bem grande no poste.
Eu não sei de muita coisa. Mas eu sei que nossa casa da árvore tem vista pro mistério, pra fantasia e pro amor.
Eu também sei que o afeto e a delicadeza não se encerram num ato.
E que a linha do tempo dessa quarentena é feita do mesmo fio que sustenta os encontros e é desse fio que a gente tece a nossa rede.
(*) Fernanda é mãe de alunos da escola, Pedagoga Especial, Psicopedagoga e Arteterapeuta, responsável pela Sala de Recursos da escola, desde que começou a funcionar, em 2018.